Efeitos podem ser vistos em vários órgãos e
levar tempo para se manifestar.
Se desânimo ultrapassar 15 dias, é indicado buscar psicólogo ou psiquiatra.
Luna D'Alama Do G1, em São
Paulo
Episódios trágicos que envolvem emoções muito fortes, como o incêndio na boate
Kiss de Santa Maria (RS), que deixou 235 mortos e 143 pessoas internadas, podem
desencadear não apenas reações físicas imediatas, como risco de pneumonia e
morte, mas também doenças psíquicas a médio e longo prazos, como depressão e
estresse pós-traumático, que acabam tendo reflexo em todo o organismo.
Segundo o especialista em neurociências da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro da Associação Brasileira
do Trauma (ABT) Carlos Alberto Franco, as pessoas que sobreviveram têm uma
capacidade individual de absorção e recuperação do susto ou luto.
Forma como as pessoas lidam
com perdas e luto é muito individual, diz especialista (Foto: Felipe Dana/AP)
"Os amigos e familiares também podem se
culpar indevidamente por não terem salvado alguém. Mas o primeiro instinto que
o cérebro tem é de sair do lugar, é instintivo. Depois que passa o perigo, de
forma consciente, a pessoa quer saber onde está o outro", explica Franco.
A forma como as pessoas lidam com a perda varia
com o perfil e a história de cada um, segundo o especialista. Mas o natural
seria, em três meses, começar a perceber o fato como algo pertencente ao
passado, embora o mal-estar ainda esteja presente. Em três a seis meses, a dor
costuma se atenuar, mas pode levar até um ano para o indivíduo voltar a ter
energia para desempenhar suas atividades normais.
"No caso de uma mãe que perde um filho,
porém, um ano não significa nada. Pode levar até dez anos ou mais nesse
processo de perda, pois fica um vazio, algo fora do lugar, e a vida perde o
sentido e a referência", destaca.
Franco diz que uma tragédia como a da boate Kiss,
em que há uma inversão natural do que se espera – jovens que morreram antes de
seus pais –, pode causar uma falta de ligação com o mundo real e levar
familiares e amigos a negar o ocorrido, entrar em depressão, ter crises de
ansiedade e até pensar em morrer.
"O estresse pós-traumático pode se
manifestar de várias maneiras: como batimentos cardíacos acelerados, problemas
estomacais, intestinais, de pele ou em outros órgãos, febre, diminuição da
capacidade de concentração e memória, choro por qualquer motivo ou
impossibilidade de andar por algum local que lembre aquele acontecimento",
afirma o especialista.
De acordo com ele, se dentro de 15 dias ou mais a
pessoa continuar extremamente desanimada, deve procurar algum tipo de apoio,
como psicólogo, psiquiatra, especialista em trauma, pelo menos para passar por
uma avaliação. Quanto antes isso acontecer, melhor.
Além disso, existem "gatilhos" que
podem disparar e remeter à tragédia, como fotografias, o quarto ou objetos
pessoais da pessoa que morreu. Isso pode ocorrer até anos depois, e outros
acontecimentos também são capazes de trazer à tona essas emoções negativas.
"Claro que de imediato é muito difícil
evitar isso. Mas, com o tempo, pode funcionar mudar a casa, a posição dos
móveis, os quadros. Pois cada vez que os pais entrarem no quarto do filho, vão
reavivar a memória da perda, manter a memória traumática e a tendência à
depressão. O ideal é que a família entenda que a lembrança de quem se foi é
suficiente – não precisa manter o pijama do filho para sentir o cheiro
dele", diz.
Segundo Franco, essas são as mesmas recomendações
que os psiquiatras e psicólogos costumam dar para quem rompeu um
relacionamento. E os sinais que aparecem após uma perda também podem ser
semelhantes ao de um trauma de guerra.
"Quanto mais você é provocado no processo de
sobrevivência, maior é a marca que fica", ressalta.
O especialista diz que, no caso de bombeiros,
policiais, médicos e voluntários, espera-se que eles consigam manter um nível
de equilíbrio que permita ser objetivo e ajudar ao mesmo tempo, sem ser frio.
Luto não é doença
O psiquiatra Daniel Barros explica que o luto não é uma doença, é um fenômeno da vida, então não tem cura nem tratamento específico.
"Não há algo que se possa fazer para não
sentir aquela dor. Ter amparo, suporte, estar presente, falar, tudo ajuda. Mas
tem gente que prefere não falar. O que preocupa e o que se deve estar atento é
a evolução desse luto", afirma.
Isso porque, aos poucos, a perda vai sendo
digerida, superada, e então a vida segue. Algumas pessoas, porém, não
conseguem, travam, e a dor não passa nunca. Para os lutos patológicos, segundo
o médico, é preciso medicação, tratamento e terapias específicas.
FONTE: G1 – O PORTAL DE NOTÍCIAS DA GLOBO
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