A professora Solange Aparecida de Oliveira, de 49 anos, está há três
anos afastada da sala de aula e trabalha no setor administrativo da
Escola Municipal de Educação Infantil Cecília Meireles, em São Matheus,
na Zona Leste de São Paulo. Há pelo menos oito anos sentiu os primeiros
problemas na voz, resultado de mais de duas décadas dando aulas na
educação infantil. Ficava rouca, com a voz áspera, muitas vezes,
totalmente afônica. Chegou a dar aulas fazendo mímica.
“É mais difícil lidar com criança pequena, elas exigem, há uma rotina a
ser cumprida: roda de leitura, de conversa, aula de música, parque,
jogos, atividades externas. Perdia a voz com muita frequência, sentia
dores na garganta, minha diretora falava: você não pode ficar assim.
Perder a voz mexe com o emocional da gente”, afirma.
Solange simboliza uma pequena amostra de um cenário bem mais complexo
que atinge a categoria dos docentes. Estudo feito pelo Sindicato dos
Professores de São Paulo (Sinpro SP), mostra que 63% dos professores
entrevistados (1651 docentes da rede básica de ensino) já tiveram
problema na voz, sendo que 11% apresentava alguma alteração no momento
da pesquisa. Entre 14 sintomas listados que denotam problemas como
rouquidão, pigarro, garganta seca, entre outros, cada pessoa respondeu
que tinha, em média, 3,7 sintomas.
DICAS PARA O PROFESSOR NÃO PERDER A VOZ |
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- Bebe água regularmente | |
- Fique atento ao volume de voz. Perceba em quais momentos você pode falar mais baixo |
- Articule bem as palavras |
- Evite pigarrear em excesso |
-Mantenha uma alimentação regular e saudável |
- Após um período de uso excessivo da voz, tente descansá-la |
- Ao dar uma informação longa aos alunos, fique de frente para a classe olhando para os alunos |
- Evite falar muito tempo virado para a lousa |
- Com orientação fonoaudiológica, faça exercícios de aquecimento e desaquecimento vocal |
- Ao perceber sintomas como rouquidão, dor na garganta, cansaço
vocal, falhas na voz, excesso de pigarro, desconforto ao falar, procure
um médico otorrinolaringologista e um fonoaudiólogo |
Fonte: Fabiana Zambon – Sinpro SP |
A fonoaudióloga especialista em voz do Sinpro SP, Fabiana Zambon, diz
que o grande problema é que o professor não tem na formação conhecimento
para cuidar e prevenir a voz. "Quando percebe que está com problema é
porque já precisa de tratamento. O professor usa a voz de forma
diferente das outras pessoas, concorre com ruído de fora, da classe, tem
de falar mais forte porque tem um número de alunos para atingir. Mesmo
os que não apresentam problema, teriam de passar por uma avaliação."
Foi assim com Solange. Quando ela buscou ajuda médica há oito anos,
recebeu o diagnóstico de nódulo e fendas nas cordas vocais, e a
indicação para se afastar da sala de aula. Demorou mais cinco anos para
que seguisse a recomendação médica e fosse readaptada para outras
funções. "Tinha um receio grande, porque a readaptação é mal vista.
Morria de medo desse tabu, mas aos poucos, fui vendo que não tinha mais
condições."
Para Solange, a lotação das salas, e ter de lecionar, muitas vezes,
paralelamente às reformas que ocorrem nas escolas, sem a acústica
adequada, são fatores que contribuem para o desgaste da voz. “A reforma é
uma questão que precisa ser pensada. Poeira, ruído e tinta causam
alergia. Os professores estão adoecendo.”
Professor deve evitar falar virado para a lousa
(Foto: TV Globo/Reprodução)
Projetar a voz ou gritar?
Outro fator que pode comprometer a voz do professor é se ele grita
muito durante a aula. Segundo a Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia,
existe uma grande diferença entre "projetar a voz" e "falar alto" em
classe.
"Projetar é falar alto com controle de qualidade da voz, sem
sobrecarregar as cordas vocais; já falar alto pode ser sinônimo de
gritar, com esforço excessivo, que pode ser prejudicial", define a
entidade em um manual sobre problemas de voz. "O grito faz com que
ocorra um forte atrito entre as pregas vocais e, se usado
constantemente, pode prejudicar a saúde vocal e contribuir para o
aparecimento de lesões na laringe como os calos nas cordas vocais."
Em nota, a Prefeitura de São Paulo informou que o departamento de saúde
oferece um programa voltado à saúde vocal, com caráter preventivo, aos
professores da rede de ensino, além de oficinas nas escolas resultado de
uma parceria feita com a PUC-SP. Sobre o número de alunos em sala de
aula, a Prefeitura diz que respeita o que prevê a legislação municipal e
atende, no máximo, 30 crianças por sala na educação infantil.
Solange deve encerrar a carreira no setor administrativo. No ano que
vem ela completa 50 anos de vida, 30 deles como funcionária da
Prefeitura de São Paulo e vai se aposentar. Apesar do problema
adquirido, vai guardar boas lembranças da docência. "A sala de aula é o
lugar onde eu me encontrei profissionalmente, foi uma escolha ser
professora, ninguém me mandou ser, sempre gostei muito do que eu fiz.
Valeu a pena a carreira longa, fui feliz enquanto estive lá."
Professora Eulina teve de operar um cisto na corda vocal, mas já está recuperada (Foto: Cyntia Dias)
Cisto na prega vocal e cirurgia
O problema vocal da professora Eulina Fernandes Pereira Caldin, de 49
anos, terminou em cirurgia. Ela dá aulas há 23 para o ensino fundamental
em uma escola da rede particular de São Paulo. Logo no início da
carreira perdia a voz, foi buscar orientação médica, “mas achou uma
bobagem, não levou a sério e abandonou o tratamento.” A atitude não
passou ilesa: Eulina adquiriu um cisto do lado esquerdo da prega vocal, e
teve de operar. Nos últimos cinco anos, não tinha nenhum período com a
voz boa, nem mesmo nas férias.
“Ficava rouca, não sentia nenhuma dor, mas a voz sumia, faltava volume.
Quando procurei ajuda médica, já era um caso cirúrgico. Minha vontade
era parar de trabalhar dando aula, não tinha mais qualidade dos anos
anteriores e comecei a me cobrar.”
A voz é fundamental para a emoção da aula"
Eulina Fernandes Pereira Caldin,
professora
A professora afirma que o cisto adquirido na corda vocal era como uma
'bexiguinha que poderia se romper.' "Após a cirurgia, o som da voz era
péssimo, parecia uma senhora de 80 anos, vinha em duplicidade. Passei
três dias incomunicável, só escrevia, mas a recuperação foi simples, não
tive dor, com um mês de fono minha voz já estava boa."
Eulina se arrepende de não ter dado atenção ao problema vocal antes de
ele se agravar. Hoje a professora aprendeu a respirar corretamente, usar
o diafragma e fazer exercícios para aquecer e desaquecer a voz. Ela diz
que o microfone na sala poderia ser um grande aliado, mas admite que
nunca precisou se afastar porque conta com ajuda de professor auxiliar
na sala de aula, e nos momentos de crise, tinha o apoio desse
profissional.
"Hoje me sinto ótima, minhas aulas são de maior qualidade. Alunos
aprendem, são motivados. A voz é fundamental para a emoção da aula. Eu
já tive outras profissões, mas escolhi porque educação está no sangue,
parece que você nasce com isso. Adoro o que eu faço, faço com amor."
FONTE: G1 - O PORTAL DE NOTÍCIAS DA GLOBO