Palestra realizada no King’s College
de Londres a convite daquela instituição do Reino Unido. O texto
obedece a exposição oral com pequenas alterações de estilo para a
presente publicação
Por: ALDO REBELO*
Aldo Rabelo
Antes de abordarmos a Copa do Mundo no Brasil, seria
importante traçarmos um breve painel da importância do futebol como
fenômeno social em nosso País. O futebol no Brasil é uma das poucas,
talvez a única instituição que nasceu, cresceu e consolidou-se à margem
dos dois grandes construtores institucionais do mundo contemporâneo – o
mercado e o Estado. Quando o Estado criou o Conselho Nacional do
Desporto, em 1940, o futebol já delineava os traços que possui hoje. Os
grandes clubes de massa existiam como instituições nacionais, o esporte
era paixão e fantasia para a população brasileira. E a aproximação do
mercado foi ainda mais tardia, data da década de 1980, com a presença
dos patrocinadores e dos direitos de transmissão de imagem. Até então a
TV não transmitia futebol ao vivo, apenas o videoteipe.
O futebol no Brasil foi a primeira grande plataforma de promoção social
dos jovens pobres e dos jovens negros. Quando o brasileiro descendente
de britânico Charles Miller levou da Inglaterra as regras e a bola para a
primeira partida, o Brasil era um País muito desigual – ainda mais
desigual do que é hoje. Os jovens pobres, mestiços, negros, mulatos, não
tinham nem acesso à escola. O futebol deu ao País as primeiras
celebridades jovens e negras. Um mulato de São Paulo, Friedenreich,
filho de um alemão e uma negra, foi o primeiro ídolo de massas, autor do
gol que deu ao Brasil a primeira vitória num torneio internacional, o
Campeonato Sul-Americano de 1919. Os que viram Friedenreich jogar
disseram maravilhas do seu talento. Um garoto pobre do Norte do Brasil,
do Estado do Maranhão, chamado Fausto, foi à Copa do Mundo do Uruguai em
1930 e voltou denominado de “A Maravilha Negra”. Surgiram nessa época
Domingos da Guia e Leônidas da Silva, conhecido como “Diamante Negro”.
Esses jovens foram admirados, reconhecidos, queridos e respeitados. A
maioria do povo brasileiro tinha uma condição social semelhante à deles –
predominavam os socialmente excluídos, excluídos da escola, dos
empregos, das melhores oportunidades e assim se identificaram não apenas
com aqueles jovens talentos bem-sucedidos, mas também com o esporte que
eles praticavam.
O futebol passou a ter força e magia. Quando um clube do Rio de Janeiro
resistiu à pressão para excluir jogadores negros e trabalhadores do seu
time, porque também no Brasil o futebol começou como esporte da elite, o
povo foi abrindo espaço no campo com muita luta. No começo, era jogado
pela manhã, depois da missa, pelos jovens da aristocracia de São Paulo e
do Rio de Janeiro. Mas um clube criado pela comunidade portuguesa, o
Vasco da Gama, resolveu incluir negros, que eram os melhores jogadores.
Foi banido da liga. Essa história é contada em detalhes num livro
clássico, “O Negro no Futebol Brasileiro”, de autoria do jornalista
Mário Filho cujo nome batiza o estádio do Maracanã e teve como irmão um
grande dramaturgo e cronista esportivo chamado Nélson Rodrigues. Em São
Paulo o preconceito não era de cor, mas contra o imigrante. O time da
colônia italiana, Palestra Itália, que depois se tornou Palmeiras, era
alvo da mesma discriminação. A escalação do Palestra não era escrita nos
jornalões conservadores de São Paulo, mesmo quando ele vencia seus
adversários. Os italianos imigrantes pobres, muitas vezes analfabetos,
eram discriminados pela elite.
Creio que esses traços do futebol, associados à luta contra o
preconceito, adicionaram sinais de singularidade para além da simples
prática do esporte, realçando a ascensão de jovens pobres que se
tornavam celebridades pelo talento e pela arte com que jogavam. O fato
de o futebol ser abraçado, desenvolver-se e tornar-se tão popular e
artístico no Brasil muito contribuiu para a sua universalização. Outras
modalidades foram levadas daqui, mas não vingaram. O próprio Charles
Miller escreveu para os amigos na Inglaterra dizendo que tentou
popularizar o críquete, mas não teve nenhum sucesso. Já o futebol
difundiu-se com rapidez. Numa carta, de 1905 ou 1906, ele falava em
centenas de clubes que se espalhavam pelo estado de São Paulo, nas
margens das ferrovias, pois eram os ferroviários que organizavam os
clubes. Clubes de regatas abriam um departamento de futebol.
O futebol poderia ser um esporte, anglo-saxão a mais, limitado a poucos
países como o é o rúgbi, mas veio a se tornar um esporte universal. É
popular na Europa, na América, na Ásia, na África, na Oceania. Já é
muito difundido na China, no Vietnã, no mundo árabe, com jogadores
brasileiros atuando em todos os países. Fui essa semana a uma cidade do
interior de São Paulo onde existe um clube sem muita tradição,
recém-fundado, que foi fazer um amistoso há pouco tempo na Coréia do
Norte. E me disseram: havia 80 mil espectadores dentro do estádio e 30
mil fora, querendo entrar. E não era uma atração conhecida no mundo
esportivo.
Como disse, os grandes clubes brasileiros são instituições nacionais.
Não são instituições regionais. Eles são quase que como um fator da
identidade do País. Antes de aprender, na sala de aula, a geografia e a
história do Brasil, o menino já torce por um time que tem dimensão
nacional e passa a construir a sua identidade a partir também do
futebol, da Seleção ou do clube de massa que ele escolhe para torcer. O
Brasil é o único País que participou de todas as Copas do Mundo, tem
cinco títulos de 19 disputados, foi duas vezes vice, duas vezes terceiro
e uma vez quarto colocado, ou seja, sempre foi um protagonista nesse
esporte. Tem o maior artilheiro, o jogador que fez mais gols em Copas é o
Ronaldo, e tem Pelé, um astro reconhecido mundialmente, um ídolo capaz
até de parar guerras, como aconteceu na África onde facções em conflito
fizeram uma trégua para vê-lo. No Peru, num jogo em que o Rei foi
expulso, a torcida exigiu que o juiz é que saísse e Pelé ficasse para
continuar a partida.
A Copa do Mundo, portanto, vai ser realizada no País que pode ser
considerado, senão a casa ou o berço, que foi aqui, mas o espaço onde o
futebol mais se desenvolveu e ganhou status de arte. O historiador
inglês Eric Hobsbawm, no livro “A Era dos Extremos”, põe o futebol na
categoria das artes e justifica dizendo que um amigo francês, acho que
coreógrafo, disse que não se pode negar ao futebol o status de arte,
principalmente quando se via a Seleção brasileira, e ele, portanto,
tirou esse capítulo do futebol do esporte e o colocou no da arte. Um
jogador inglês, que foi daqui nos anos de 1940 jogar no Rio de Janeiro,
voltou dizendo: “As regras são as mesmas, mas parece que jogamos dois
esportes diferentes. Nós, ingleses, não damos aqueles dribles que os
brasileiros dão nem que tenhamos que salvar a própria vida com eles.” É o
que um grande intérprete do Brasil, o sociólogo Gilberto Freyre,
observa: nós incorporamos muito ao futebol não só do europeu, mas também
do africano. O futebol brasileiro, segundo ele, tem coreografia de
dança. Mas eu diria que ainda tem muito do índio, ou seja, da liberdade
que o índio sente dentro da floresta, da ausência da disciplina imposta
pelo trabalho assalariado ou pela escravidão, que o índio sempre
rejeitou e a que sempre resistiu. O português via isso como indolência,
mas nós vemos como resistência. O Garrincha, por exemplo, era
descendente de índios. Acho que o improviso dele tinha muito da
liberdade que a ascendência indígena lhe permitia na vida e, portanto,
nos movimentos dentro de campo.
A Copa vai ser realizada nesse País de grandes virtudes civilizatórias e
defeitos também. Grandes deficiências que nós não pretendemos omitir
nem esconder. O Brasil real está lá. Um País com 16 mil km de fronteiras
pacíficas sem nenhum litígio com seus dez vizinhos. Eu testemunhei
situações que em outros lugares seriam inconcebíveis, como uma casa
construída com a cozinha no Brasil e a sala na Venezuela. O construtor
não sabia que ali passava uma linha imaginária de fronteira e ergueu a
morada exatamente em cima dessa linha. É uma casa binacional. Creio que
em qualquer lugar isso já teria dado um grande problema diplomático, mas
as autoridades, de parte a parte, ainda não se mobilizaram para
resolver esse impasse. A casa está lá até hoje. Nós temos oito mil km de
litoral. Não há nenhum rochedo, nenhuma ilhota, nenhum atol que seja
reivindicado por ninguém.
O País foi se constituindo com a fusão e a convivência de três troncos
civilizatórios muito distintos: o europeu, o indígena, que lá estava e
ainda permanece, e o africano. Nós somos, sem negação de nenhum desses
troncos, o resultado dessa convivência. Pelo Carnaval, fui acampar com
índios xavantes no Mato Grosso. Mil quilômetros de asfalto de Brasília,
mais 80 km de terra, mais duas horas de barco pelo Rio das Mortes, para
chegar a uma comunidade de 112 pessoas, em que apenas quatro falavam
português. Nenhuma mulher nem criança conseguia falar, a não ser nos
chamar de “warazu”, que é “homem branco”. Eu disse: “Mas essa comunidade
vive no Brasil estudando em escola bilíngue, integrada ao País e com
uma identidade, que é o futebol”. Nós organizamos os Jogos Indígenas. O
esporte que eles pedem para disputar é o futebol. É o único que todas as
tribos praticam e o único que praticam homens e mulheres. Nessa aldeia
xavante o assunto era que no dia anterior à minha chegada as mulheres da
tribo tinham derrotado os veteranos num jogo de futebol.
Nós temos orgulho dessa origem e ascendência. Isso faz com que o Brasil,
mesmo entre grandes deficiências, tenha a capacidade de negar e de
combater o racismo, o ódio religioso, étnico, nacional. Não temos
regionalismos extremados. Os nossos regionalismos são a afirmação da
nacionalidade. Aqui nós temos uma diplomata e um jornalista que são
gaúchos, mas quando a Seleção brasileira está em apuros prefere jogar no
Rio Grande do Sul porque tem certeza de que lá será firmemente apoiada.
No Nordeste, a mesma coisa. São áreas com traços regionalistas muito
fortes, mas não existe regionalismo de negação e sim de afirmação da
nacionalidade.
Vamos fazer a Copa em 12 cidades. Houve um debate no Brasil sobre a
necessidade de se fazer ou não o torneio em tantos locais. Poderíamos
fazer em menos, na verdade poderíamos fazê-la só em São Paulo, cuja
capital teria três grandes estádios disponíveis, e grandes cidades do
interior e litoral. Mas essa não seria a Copa do Brasil. A sede de
Manaus está em região que representa 2/3 do território brasileiro – a
Amazônia. A seleção inglesa vai jogar nessa cidade que é um triunfo do
esforço brasileiro para ocupar uma vastidão imensa. Primeiro, o esforço
dos portugueses de consolidar sua presença diante da cobiça de todos os
impérios coloniais. Remanescem lá, no maciço, três antigas colônias: a
inglesa, hoje Guiana, a holandesa, que é o Suriname, já independentes, e
a francesa que permanece como Departamento de Ultramar. Houve naquela
região invasões de franceses e holandeses, disputa com a Inglaterra por
território. Portugal, e depois o Brasil, consolidamos a região como
território brasileiro. Manaus é capital do estado do Amazonas, que quase
1,6 milhão de km². A comparação que me vem é que corresponde a três
vezes o território da França. Esse estado tem 98% da sua área cobertos
de florestas nativas. Dois por cento são ocupados por cidades, pecuária,
agricultura e outras atividades. Viajam-se horas de avião sem ver outra
coisa a não ser floresta virgem. Grandes áreas estão reservadas para os
índios. Fui até a fronteira com a Venezuela inaugurar um programa para
crianças indígenas. Ali há aldeias a que se chega após sete dias de
barco.
A Amazônia, além desse bioma preservado, constitui uma civilização
própria com a sua culinária sofisticada. Quem não experimentou ainda o
pato no tucupi? A iguaria já paga uma viagem à região onde existem a
floresta, a fauna, o guaraná, os peixes, uma cultura e um imaginário.
Como poderíamos deixar a Amazônia fora da Copa? Como excluir o Pantanal
Mato-grossense e a cidade de Cuiabá? As outras cidades-sedes estão
autoexplicadas: são metrópoles do litoral, do centro-sul. Mas nas demais
os novos estádios significam mais que campos de futebol: serão centros
de convenções, bares, restaurantes. Em Natal, as lojas da Arena das
Dunas têm o metro quadrado mais elevado da cidade porque fica em área
central, com segurança, estacionamento e todo mundo quer ter lá uma
academia, uma agência bancária, uma butique, um escritório.
Esses estádios vão elevar a renda do futebol brasileiro dentro da
economia brasileira e elevar o PIB do futebol brasileiro dentro do PIB
do futebol mundial. Somos protagonistas no campo, mas fora dele somos um
fiasco. Os ingleses têm um pouco mais de 30% do PIB mundial do futebol.
Acho que os alemães têm em torno de 20%. Os espanhóis um pouco menos.
Nós estamos lá embaixo, exportamos os artistas e importamos o
espetáculo. Queremos mudar essa relação. Temos muito jogadores, eles
podem jogar em clubes de todo o mundo, mas queremos também vender
serviços futebolísticos. Queremos receber equipes para treinar. Temos
uma grande reputação na área de Fisioterapia e Nutrição do esporte.
Muitos jogadores que atuam na Europa, quando se machucam, vão se
recuperar no Brasil porque a nossa Medicina esportiva é muito
desenvolvida. Precisamos exportar esses serviços.
Na Copa, trabalhamos para evitar efeitos indesejados como, por exemplo, o
encarecimento do preço dos ingressos. Considerando que os custos desses
estádios vão ser grandes, as entradas e os serviços oferecidos ficarão
caros, mas que se reserve uma área para o torcedor mais pobre. Senão o
futebol será descaracterizado na sua essência. Com todo respeito pelas
demais artes, um teatro é para 500 ou 800 pessoas. Um estádio é para 50
mil, 80 mil. Wembley recebe 90 mil. Como é possível fazer um estádio
desses e não oferecer ingresso a preços populares? Discuti o assunto com
os proprietários das arenas e os clubes, em defesa de uma política que
assegure uma parte dos ingressos a preços acessíveis para quem não é
rico. Outros problemas estão em debate. Há, por exemplo, uma proibição
de venda de cerveja nos estádios. Os proprietários dizem: “Como é que
vou alugar espaço para um bar onde é proibido vender cerveja?” O único
bar do mundo em que não se pode beber é o bar do estádio no Brasil. Vi
que em Wembley existem muitos bares – não sei se aqui seria possível
proibir a cerveja. Quando os ingleses de uma indústria têxtil no Rio de
Janeiro criaram seu clube, o Bangu, e começaram a construir um estádio,
fizeram primeiro o quê? O bar.
A Copa projeta o Brasil. Serão aproximadamente 40 bilhões de
telespectadores acumulados para ver os jogos. A final de 2010 na África
teve três bilhões de telespectadores; a da Alemanha em torno disso. São
mais de 18 mil jornalistas credenciados e outra multidão que vai sem
avisar. O governo não fez nenhum estudo próprio, mas consultorias
privadas, a Ernst & Young, americana, e a Fundação Getúlio Vargas,
que é brasileira, elaboraram a prospecção “Impactos Socioeconômicos dos
Grandes Eventos no Brasil”, incluindo os Jogos Olímpicos de 2016. Apenas
para a Copa de 2014 a previsão é de geração de 3,6 milhões de empregos.
O torneio agregaria ao PIB brasileiro pelo menos uma taxa anual de 0,4%
até 2019. Para cada real investido pelo poder público haveria a
contrapartida de 3,4 reais de investimento privado. Os negócios na área
de comunicação, publicidade, turismo, alimentação, transporte, material
comemorativo, bandeiras, inúmeras atividades econômicas nas doze
cidades-sedes são muito grandes e lucrativos. A Agência Brasileira de
Promoção de Exportações e Investimentos cuida de reunir milhares de
empresários que querem aproveitar a Copa para conhecer o Brasil e suas
possibilidades de negócios. Montamos uma cesta de produtos que podem ser
negociados. É uma grande oportunidade.
O País vai estar seguro para as delegações das 31 seleções visitantes,
autoridades, inclusive muitos chefes de Estado, jornalistas, turistas
estrangeiros e torcedores nacionais. Tomamos os cuidados necessários à
segurança. Esses eventos atraem muitas vezes a fúria. Nas Olimpíadas de
Munique, na Alemanha, atletas foram sequestrados quando já estavam na
Vila Olímpica, com dupla proteção, do comitê olímpico e do Estado
alemão. E mesmo assim foram sequestrados e assassinados. Nos Jogos de
Atlanta, nos Estados Unidos, houve atentado com morte. Agora mesmo a
Rússia tomou medidas preventivas severas porque havia risco nos Jogos de
Inverno. Não creio que o Brasil seja alvo desse tipo de fúria, que tem
como base o ódio nacional, religioso, étnico. Mas há o crime comum que
atinge a própria população brasileira, um fenômeno indesejado que
procuramos enfrentar e combater. Houve muito investimento em centros de
comando e controle sofisticados capazes de prevenir e impedir ações
criminosas.
As pessoas perguntam: e o legado? O legado está sendo construído. No
setor de telecomunicações, para transmissão dos jogos e comunicação dos
torcedores, última fronteira que alcançamos para completar a rede
nacional foi Manaus. Tivemos de atravessar florestas e rios para chegar à
cidade. A obra não servirá só à Copa, tem múltiplas utilidades, como
conectar as universidades a todos os centros de investigação científica
do Brasil e do mundo. Ligamos a própria Universidade do Amazonas, ou
seja, foi um benefício para a Ciência, para a comunidade acadêmica do
Brasil. Fica como benfeitoria para a população. Em São Paulo, o estádio
de abertura da Copa é construído na área de menor Índice de
Desenvolvimento Humano da mais rica cidade brasileira. Por conta da
arena do Corinthians já foi inaugurada no bairro de Itaquera uma
universidade de tecnologia. Uma escola técnica está pronta e funcionará
durante a Copa com parte da estrutura de apoio. Depois, será uma escola
técnica regular. As duas grandes avenidas pelas quais circula a
população dessa região de São Paulo estão sendo interligadas.
Provavelmente nem turistas nem seleções passarão por elas, mas a cidade
ficará com esse legado. Cuiabá, no Centro-Oeste, vai ter um veículo leve
sobre trilhos, uma espécie de metrô de superfície ligando-a à cidade de
Várzea Grande, de fica o aeroporto. É um novo equipamento de transporte
de massa. E assim pelo Brasil inteiro teremos essas obras que nenhuma
Seleção vai levar. Ficarão para a nossa população.
Os atrasos das obras são um assunto recorrente. Sim, existe atraso. Nós
deveríamos ter aprontado doze estádios até dezembro de 2013, e
entregamos nove. Mas todos estarão adequadamente prontos para os jogos
da Copa. Quanto aos aeroportos, teremos mais de 50% da capacidade
aeroportuária em relação à demanda projetada para 2014. Não haverá
problema de aeroporto. Criou-se a maior expectativa de que haveria uma
tragédia no setor hoteleiro. As prefeituras fizeram campanhas para
cadastrar residências que pudessem hospedar turistas. Agora, a
Associação de Hotelaria prevê que a ocupação vai variar de 50% em
algumas cidades, como Natal, a 90%, no Rio de Janeiro. Os preços
exorbitantes anunciados há meses já caíram e voltará o interesse daquele
turista que, assustado pelos valores, pensou em não ir para a Copa.
As manifestações. Eu fui presidente da União Nacional dos Estudantes na
época em que o Brasil tinha um governo militar. Acho que não houve uma
capital em que não tenha feito uma passeata, uma manifestação, muitas
vezes reprimida só por ser manifestação. Agora no governo civil,
democrático, a manifestação é um direito protegido pela lei brasileira. A
depredação, a ameaça contra a vida não são democráticas nem estão
protegidas por lei no Brasil. Têm de ser coibidas. Um cinegrafista
morreu atingido na cabeça por um rojão. Um policial foi queimado,
tornou-se uma tocha humana na rua. Mas as manifestações pacíficas são
protegidas. Não acho que se precise mais do que a lei para se enfrentar
essa questão.
As pessoas perguntam: e os gastos da Copa? Nós sabemos que há pessoas
que são contra a Copa do Mundo no Brasil, como já ocorreu em 1950, mas
com exceção de um ou outro partido de pequena representação social e
parlamentar, não conheço instituições que sejam contra. Não há nessa
lista um sindicato importante, uma central sindical, uma igreja, os
católicos ou protestantes, os líderes espirituais afro-brasileiros.
Quem é mesmo que é contra? Uma parte da mídia faz uma campanha aberta,
mas não é novidade porque em 1950 havia o mesmo debate. Eu disse um dia,
numa discussão, na “Folha de S. Paulo”, que o Maracanã, construído para
aquele Mundial, não foi perdoado até hoje. Há pessoas que por
convicções respeitáveis são contra a Copa, por acharem que deveríamos
nos dedicar a outras tarefas. Mas há quem imagine que a Copa desviou
dinheiro da saúde ou da educação. Eu sou ministro do Esporte. O meu
orçamento não alcança sequer 1% do orçamento da saúde e da educação – e
nunca houve tanto dinheiro para o esporte como há hoje no Brasil.
Todo o financiamento com garantias de mercado que o BNDES disponibilizou
para a construção de estádios é menos do que empréstimos que grandes
empresas multinacionais costumam tomar do banco. Às vezes tomam e tentam
não pagar. Não há dinheiro do orçamento da União destinado para a Copa
do Mundo. Eu não destinei para a Copa do Mundo um centavo como ministro
do Esporte. Há o financiamento e renúncia fiscal para a matéria-prima
para a construção de alguns estádios, mas em volume proporcionalmente
pouco significativo, se considerarmos que só a indústria automobilística
recebeu nos últimos anos 27 bilhões de reais de renúncia fiscal. E
mesmo assim mandou mais de 27 bilhões como remessa de lucros para suas
matrizes no exterior. E fazemos a renúncia por quê? Não é porque somos
amigos ou queremos fazer favor à indústria automobilística. É porque
queremos preservar os empregos, a competitividade da indústria
automobilística do Brasil com seus concorrentes no mundo. Ao futebol,
naturalmente, foi dada uma renúncia fiscal para a construção dos
estádios na expectativa de que eles retornem com renda, com benefícios.
A ideia de que há no Brasil um grande movimento contra a Copa é falsa. O
que há é uma aspiração legítima da população para melhorar a educação, a
saúde, o transporte, a segurança. Manifestantes às vezes procuram
aproveitar a visibilidade do evento internacional para dar dimensão a
suas reivindicações. Mas o Brasil só tem a lucrar com a Copa de 2014 e
os Jogos Olímpicos de 2016. Quando o Japão foi escolhido recentemente
para sediar as Olimpíadas de 2020, a “Folha de S. Paulo” fez um
editorial muito interessante. Dizia que o Japão lutou pelos jogos para
alcançar dois grandes objetivos: retomar o crescimento de uma economia
estagnada há décadas; e reconquistar protagonismo diante da projeção e
da sombra que a China lança sobre o Japão com o seu crescimento, com a
sua expansão, com as suas iniciativas tecnológicas, como homem no
espaço, patentes. Eu leio esse editorial e digo: para o Japão, as
Olimpíadas têm objetivos nobres e geopolíticos e para o Brasil elas são
um problema, uma confusão que deveríamos descartar. Eis um debate que só
a realidade concreta, a Copa e os Jogos Olímpicos, vai encerrar.
Não será uma discussão resolvida pela teoria morta do debate, mas pela teoria viva dos fatos.
* Alagoano, é ministro do esporte.
FONTE: JORNAL GAZETA DE ALAGOAS