Palestra realizada no King’s College
 de Londres a convite daquela instituição do Reino Unido. O texto 
obedece a exposição oral com pequenas alterações de estilo para a 
presente publicação
 
     
   
 
 
Por: ALDO REBELO*
 Aldo Rabelo
Antes de abordarmos a Copa do Mundo no Brasil, seria
 importante traçarmos um breve painel da importância do futebol como 
fenômeno social em nosso País. O futebol no Brasil é uma das poucas, 
talvez a única instituição que nasceu, cresceu e consolidou-se à margem 
dos dois grandes construtores institucionais do mundo contemporâneo – o 
mercado e o Estado. Quando o Estado criou o Conselho Nacional do 
Desporto, em 1940, o futebol já delineava os traços que possui hoje. Os 
grandes clubes de massa existiam como instituições nacionais, o esporte 
era  paixão e fantasia para a população brasileira. E a aproximação do 
mercado foi ainda mais tardia, data da década de 1980, com a presença 
dos patrocinadores e dos direitos de transmissão de imagem. Até então a 
TV não transmitia futebol ao vivo, apenas o videoteipe.
O futebol no Brasil foi a primeira grande plataforma de promoção social 
dos jovens pobres e dos jovens negros. Quando o brasileiro descendente 
de britânico Charles Miller levou da Inglaterra as regras e a bola para a
 primeira partida, o Brasil era um País muito desigual – ainda mais 
desigual do que é hoje. Os jovens pobres, mestiços, negros, mulatos, não
 tinham nem acesso à escola. O futebol deu ao País as primeiras 
celebridades jovens e negras. Um mulato de São Paulo, Friedenreich, 
filho de um alemão e uma negra, foi o primeiro ídolo de massas, autor do
 gol que deu ao Brasil a primeira vitória num torneio internacional, o 
Campeonato Sul-Americano de 1919. Os que viram Friedenreich jogar 
disseram maravilhas do seu talento. Um garoto pobre do Norte do Brasil, 
do Estado do Maranhão, chamado Fausto, foi à Copa do Mundo do Uruguai em
 1930 e voltou denominado de “A Maravilha Negra”. Surgiram nessa época 
Domingos da Guia e Leônidas da Silva, conhecido como “Diamante Negro”. 
Esses jovens foram admirados, reconhecidos, queridos e respeitados. A 
maioria do povo brasileiro tinha uma condição social semelhante à deles –
 predominavam os socialmente excluídos, excluídos da escola, dos 
empregos, das melhores oportunidades e assim se identificaram não apenas
 com aqueles jovens talentos bem-sucedidos, mas também com o esporte que
 eles praticavam.
O futebol passou a ter força e magia. Quando um clube do Rio de Janeiro 
resistiu à pressão para excluir jogadores negros e trabalhadores do seu 
time, porque também no Brasil o futebol começou como esporte da elite, o
 povo foi abrindo espaço no campo com muita luta. No começo, era jogado 
pela manhã, depois da missa, pelos jovens da aristocracia de São Paulo e
 do Rio de Janeiro. Mas um clube criado pela comunidade portuguesa, o 
Vasco da Gama, resolveu incluir negros, que eram os melhores jogadores. 
Foi banido da liga. Essa história é contada em detalhes num livro 
clássico, “O Negro no Futebol Brasileiro”, de autoria do jornalista 
Mário Filho cujo nome batiza o estádio do Maracanã e teve como irmão um 
grande dramaturgo e cronista esportivo chamado Nélson Rodrigues. Em São 
Paulo o preconceito não era de cor, mas contra o imigrante. O time da 
colônia italiana, Palestra Itália, que depois se tornou Palmeiras, era 
alvo da mesma discriminação. A escalação do Palestra não era escrita nos
 jornalões conservadores de São Paulo, mesmo quando ele vencia seus 
adversários. Os italianos imigrantes pobres, muitas vezes analfabetos, 
eram discriminados pela elite.
Creio que esses traços do futebol, associados à luta contra o 
preconceito, adicionaram sinais de singularidade para além da simples 
prática do esporte, realçando a ascensão de jovens pobres que se 
tornavam celebridades pelo talento e pela arte com que jogavam. O fato 
de o futebol ser abraçado, desenvolver-se e tornar-se tão popular e 
artístico no Brasil muito contribuiu para a sua universalização. Outras 
modalidades foram levadas daqui, mas não vingaram. O próprio Charles 
Miller escreveu para os amigos na Inglaterra dizendo que tentou 
popularizar o críquete, mas não teve nenhum sucesso. Já o futebol 
difundiu-se com rapidez. Numa carta, de 1905 ou 1906, ele falava em 
centenas de clubes que se espalhavam pelo estado de São Paulo, nas 
margens das ferrovias, pois eram os ferroviários que organizavam os 
clubes. Clubes de regatas abriam um departamento de futebol.
O futebol poderia ser um esporte, anglo-saxão a mais, limitado a poucos 
países como o é o rúgbi, mas veio a se tornar um esporte universal. É 
popular na Europa, na América, na Ásia, na África, na Oceania. Já é 
muito difundido na China, no Vietnã, no mundo árabe, com jogadores 
brasileiros atuando em todos os países. Fui essa semana a uma cidade do 
interior de São Paulo onde existe um clube sem muita tradição, 
recém-fundado, que foi fazer um amistoso há pouco tempo na Coréia do 
Norte. E me disseram: havia 80 mil espectadores dentro do estádio e 30 
mil fora, querendo entrar. E não era uma atração conhecida no mundo 
esportivo.
Como disse, os grandes clubes brasileiros são instituições nacionais. 
Não são instituições regionais. Eles são quase que como um fator da 
identidade do País. Antes de aprender, na sala de aula, a geografia e a 
história do Brasil, o menino já torce por um time que tem dimensão 
nacional e passa a construir a sua identidade a partir também do 
futebol, da Seleção ou do clube de massa que ele escolhe para torcer. O 
Brasil é o único País que participou de todas as Copas do Mundo, tem 
cinco títulos de 19 disputados, foi duas vezes vice, duas vezes terceiro
 e uma vez quarto colocado, ou seja, sempre foi um protagonista nesse 
esporte. Tem o maior artilheiro, o jogador que fez mais gols em Copas é o
 Ronaldo, e tem Pelé, um astro reconhecido mundialmente, um ídolo capaz 
até de parar guerras, como aconteceu na África onde facções em conflito 
fizeram uma trégua para vê-lo.  No Peru, num jogo em que o Rei foi 
expulso, a torcida exigiu que o juiz é que saísse e Pelé ficasse para 
continuar a partida.
A Copa do Mundo, portanto, vai ser realizada no País que pode ser 
considerado, senão a casa ou o berço, que foi aqui, mas o espaço onde o 
futebol mais se desenvolveu e ganhou status de arte. O historiador 
inglês Eric Hobsbawm, no livro “A Era dos Extremos”, põe o futebol na 
categoria das artes e justifica dizendo que um amigo francês, acho que 
coreógrafo, disse que não se pode negar ao futebol o status de arte, 
principalmente quando se via a Seleção brasileira, e ele, portanto, 
tirou esse capítulo do futebol do esporte e o colocou no da arte. Um 
jogador inglês, que foi daqui nos anos de 1940 jogar no Rio de Janeiro, 
voltou dizendo: “As regras são as mesmas, mas parece que jogamos dois 
esportes diferentes. Nós, ingleses, não damos aqueles dribles que os 
brasileiros dão nem que tenhamos que salvar a própria vida com eles.” É o
 que um grande intérprete do Brasil, o sociólogo Gilberto Freyre, 
observa: nós incorporamos muito ao futebol não só do europeu, mas também
 do africano. O futebol brasileiro, segundo ele, tem coreografia de 
dança. Mas eu diria que ainda tem muito do índio, ou seja, da liberdade 
que o índio sente dentro da floresta, da ausência da disciplina imposta 
pelo trabalho assalariado ou pela escravidão, que o índio sempre 
rejeitou e a que sempre resistiu. O português via isso como indolência, 
mas nós vemos como resistência. O Garrincha, por exemplo, era 
descendente de índios. Acho que o improviso dele tinha muito da 
liberdade que a ascendência indígena lhe permitia na vida e, portanto, 
nos movimentos dentro de campo.
A Copa vai ser realizada nesse País de grandes virtudes civilizatórias e
 defeitos também. Grandes deficiências que nós não pretendemos omitir 
nem esconder. O Brasil real está lá. Um País com 16 mil km de fronteiras
 pacíficas sem nenhum litígio com seus dez vizinhos. Eu testemunhei 
situações que em outros lugares seriam inconcebíveis, como uma casa 
construída com a cozinha no Brasil e a sala na Venezuela. O construtor 
não sabia que ali passava uma linha imaginária de fronteira e ergueu a 
morada exatamente em cima dessa linha. É uma casa binacional. Creio que 
em qualquer lugar isso já teria dado um grande problema diplomático, mas
 as autoridades, de parte a parte, ainda não se mobilizaram para 
resolver esse impasse. A casa está lá até hoje. Nós temos oito mil km de
 litoral. Não há nenhum rochedo, nenhuma ilhota, nenhum atol que seja 
reivindicado por ninguém.
O País foi se constituindo com a fusão e a convivência de três troncos 
civilizatórios muito distintos: o europeu, o indígena, que lá estava e 
ainda permanece, e o africano. Nós somos, sem negação de nenhum desses 
troncos, o resultado dessa convivência. Pelo Carnaval, fui acampar com 
índios xavantes no Mato Grosso. Mil quilômetros de asfalto de Brasília, 
mais 80 km de terra, mais duas horas de barco pelo Rio das Mortes, para 
chegar a uma comunidade de 112 pessoas, em que apenas quatro falavam 
português. Nenhuma mulher nem criança conseguia falar, a não ser nos 
chamar de “warazu”, que é “homem branco”. Eu disse: “Mas essa comunidade
 vive no Brasil estudando em escola bilíngue, integrada ao País e com 
uma identidade, que é o futebol”. Nós organizamos os Jogos Indígenas. O 
esporte que eles pedem para disputar é o futebol. É o único que todas as
 tribos praticam e o único que praticam homens e mulheres. Nessa aldeia 
xavante o assunto era que no dia anterior à minha chegada as mulheres da
 tribo tinham derrotado os veteranos num jogo de futebol.
Nós temos orgulho dessa origem e ascendência. Isso faz com que o Brasil,
 mesmo entre grandes deficiências, tenha a capacidade de negar e de 
combater o racismo, o ódio religioso, étnico, nacional. Não temos 
regionalismos extremados. Os nossos regionalismos são a afirmação da 
nacionalidade. Aqui nós temos uma diplomata e um jornalista que são 
gaúchos, mas quando a Seleção brasileira está em apuros prefere jogar no
 Rio Grande do Sul porque tem certeza de que lá será firmemente apoiada.
 No Nordeste, a mesma coisa. São áreas com traços regionalistas muito 
fortes, mas não existe regionalismo de negação e sim de afirmação da 
nacionalidade.
Vamos fazer a Copa em 12 cidades. Houve um debate no Brasil sobre a 
necessidade de se fazer ou não o torneio em tantos locais. Poderíamos 
fazer em menos, na verdade poderíamos fazê-la só em São Paulo, cuja 
capital teria três grandes estádios disponíveis, e grandes cidades do 
interior e litoral. Mas essa não seria a Copa do Brasil. A sede de 
Manaus está em região que representa 2/3 do território brasileiro – a 
Amazônia. A seleção inglesa vai jogar nessa cidade que é um triunfo do 
esforço brasileiro para ocupar uma vastidão imensa. Primeiro, o esforço 
dos portugueses de consolidar sua presença diante da cobiça de todos os 
impérios coloniais. Remanescem lá, no maciço, três antigas colônias: a 
inglesa, hoje Guiana, a holandesa, que é o Suriname, já independentes, e
 a francesa que permanece como Departamento de Ultramar. Houve naquela 
região invasões de franceses e holandeses, disputa com a Inglaterra por 
território. Portugal, e depois o Brasil, consolidamos a região como 
território brasileiro. Manaus é capital do estado do Amazonas, que quase
 1,6 milhão de km². A comparação que me vem é que corresponde a três 
vezes o território da França. Esse estado tem 98% da sua área cobertos 
de florestas nativas. Dois por cento são ocupados por cidades, pecuária,
 agricultura e outras atividades. Viajam-se horas de avião sem ver outra
 coisa a não ser floresta virgem. Grandes áreas estão reservadas para os
 índios. Fui até a fronteira com a Venezuela inaugurar um programa para 
crianças indígenas. Ali há aldeias a que se chega após sete dias de 
barco.
A Amazônia, além desse bioma preservado, constitui uma civilização 
própria com a sua culinária sofisticada. Quem não experimentou ainda o 
pato no tucupi? A iguaria já paga uma viagem à região onde existem a 
floresta, a fauna, o guaraná, os peixes, uma cultura e um imaginário. 
Como poderíamos deixar a Amazônia fora da Copa? Como excluir o Pantanal 
Mato-grossense e a cidade de Cuiabá? As outras cidades-sedes estão 
autoexplicadas: são metrópoles do litoral, do centro-sul. Mas nas demais
 os novos estádios significam mais que campos de futebol: serão centros 
de convenções, bares, restaurantes. Em Natal, as lojas da Arena das 
Dunas têm o metro quadrado mais elevado da cidade porque fica em área 
central, com segurança, estacionamento e todo mundo quer ter lá uma 
academia, uma agência bancária, uma butique, um escritório.
Esses estádios vão elevar a renda do futebol brasileiro dentro da 
economia brasileira e elevar o PIB do futebol brasileiro dentro do PIB 
do futebol mundial. Somos protagonistas no campo, mas fora dele somos um
 fiasco. Os ingleses têm um pouco mais de 30% do PIB mundial do futebol.
 Acho que os alemães têm em torno de 20%. Os espanhóis um pouco menos. 
Nós estamos lá embaixo, exportamos os artistas e importamos o 
espetáculo. Queremos mudar essa relação. Temos muito jogadores, eles 
podem jogar em clubes de todo o mundo, mas queremos também vender 
serviços futebolísticos. Queremos receber equipes para treinar. Temos 
uma grande reputação na área de Fisioterapia e Nutrição do esporte. 
Muitos jogadores que atuam na Europa, quando se machucam, vão se 
recuperar no Brasil porque a nossa Medicina esportiva é muito 
desenvolvida. Precisamos exportar esses serviços.
Na Copa, trabalhamos para evitar efeitos indesejados como, por exemplo, o
 encarecimento do preço dos ingressos. Considerando que os custos desses
 estádios vão ser grandes, as entradas e os serviços oferecidos ficarão 
caros, mas que se reserve uma área para o torcedor mais pobre. Senão o 
futebol será descaracterizado na sua essência. Com todo respeito pelas 
demais artes, um teatro é para 500 ou 800 pessoas. Um estádio é para 50 
mil, 80 mil. Wembley recebe 90 mil. Como é possível fazer um estádio 
desses e não oferecer ingresso a preços populares? Discuti o assunto com
 os proprietários das arenas e os clubes, em defesa de uma política que 
assegure uma parte dos ingressos a preços acessíveis para quem não é 
rico. Outros problemas estão em debate. Há, por exemplo, uma proibição 
de venda de cerveja nos estádios. Os proprietários dizem: “Como é que 
vou alugar espaço para um bar onde é proibido vender cerveja?” O único 
bar do mundo em que não se pode beber é o bar do estádio no Brasil. Vi 
que em Wembley existem muitos bares – não sei se aqui seria possível 
proibir a cerveja. Quando os ingleses de uma indústria têxtil no Rio de 
Janeiro criaram seu clube, o Bangu, e começaram a construir um estádio, 
fizeram primeiro o quê? O bar.
A Copa projeta o Brasil. Serão aproximadamente 40 bilhões de 
telespectadores acumulados para ver os jogos. A final de 2010 na África 
teve três bilhões de telespectadores; a da Alemanha em torno disso. São 
mais de 18 mil jornalistas credenciados e outra multidão que vai sem 
avisar. O governo não fez nenhum estudo próprio, mas consultorias 
privadas, a Ernst & Young, americana, e a Fundação Getúlio Vargas, 
que é brasileira, elaboraram a prospecção “Impactos Socioeconômicos dos 
Grandes Eventos no Brasil”, incluindo os Jogos Olímpicos de 2016. Apenas
 para a Copa de 2014 a previsão é de geração de 3,6 milhões de empregos.
 O torneio agregaria ao PIB brasileiro pelo menos uma taxa anual de 0,4%
 até 2019. Para cada real investido pelo poder público haveria a 
contrapartida de 3,4 reais de investimento privado. Os negócios na área 
de comunicação, publicidade, turismo, alimentação, transporte, material 
comemorativo, bandeiras, inúmeras atividades econômicas nas doze 
cidades-sedes são muito grandes e lucrativos. A Agência Brasileira de 
Promoção de Exportações e Investimentos cuida de reunir milhares de 
empresários que querem aproveitar a Copa para conhecer o Brasil e suas 
possibilidades de negócios. Montamos uma cesta de produtos que podem ser
 negociados. É uma grande oportunidade.
O País vai estar seguro para as delegações das 31 seleções visitantes, 
autoridades, inclusive muitos chefes de Estado, jornalistas, turistas 
estrangeiros e torcedores nacionais. Tomamos os cuidados necessários à 
segurança. Esses eventos atraem muitas vezes a fúria. Nas Olimpíadas de 
Munique, na Alemanha, atletas foram sequestrados quando já estavam na 
Vila Olímpica, com dupla proteção, do comitê olímpico e do Estado 
alemão. E mesmo assim foram sequestrados e assassinados. Nos Jogos de 
Atlanta, nos Estados Unidos, houve atentado com morte. Agora mesmo a 
Rússia tomou medidas preventivas severas porque havia risco nos Jogos de
 Inverno. Não creio que o Brasil seja alvo desse tipo de fúria, que tem 
como base o ódio nacional, religioso, étnico. Mas há o crime comum que 
atinge a própria população brasileira, um fenômeno indesejado que 
procuramos enfrentar e combater. Houve muito investimento em centros de 
comando e controle sofisticados capazes de prevenir e impedir ações 
criminosas.
As pessoas perguntam: e o legado? O legado está sendo construído. No 
setor de telecomunicações, para transmissão dos jogos e comunicação dos 
torcedores,  última fronteira que alcançamos para completar a rede 
nacional foi Manaus. Tivemos de atravessar florestas e rios para chegar à
 cidade. A obra não servirá só à Copa, tem múltiplas utilidades, como 
conectar  as universidades a todos os centros de investigação científica
 do Brasil e do mundo. Ligamos a própria Universidade do Amazonas, ou 
seja, foi um benefício para a Ciência, para a comunidade acadêmica do 
Brasil. Fica como benfeitoria  para a população. Em São Paulo, o estádio
 de abertura da Copa é construído na área de menor Índice de 
Desenvolvimento Humano da mais rica cidade brasileira. Por conta da 
arena do Corinthians já foi inaugurada no bairro de Itaquera uma 
universidade de tecnologia. Uma escola técnica está pronta e funcionará 
durante a Copa com parte da estrutura de apoio. Depois, será uma escola 
técnica regular. As duas grandes avenidas pelas quais circula a 
população dessa região de São Paulo estão sendo interligadas. 
Provavelmente nem turistas nem seleções passarão por elas, mas a cidade 
ficará com esse legado. Cuiabá, no Centro-Oeste, vai ter um veículo leve
 sobre trilhos, uma espécie de metrô de superfície ligando-a à cidade de
 Várzea Grande, de fica o aeroporto. É um novo equipamento de transporte
 de massa. E assim pelo Brasil inteiro teremos essas obras que nenhuma 
Seleção vai levar. Ficarão para a nossa população.
Os atrasos das obras são um assunto recorrente. Sim, existe atraso. Nós 
deveríamos ter aprontado doze estádios até dezembro de 2013, e 
entregamos nove. Mas todos estarão adequadamente prontos para os jogos 
da Copa. Quanto aos aeroportos, teremos mais de 50% da capacidade 
aeroportuária em relação à demanda projetada para 2014. Não haverá 
problema de aeroporto. Criou-se a maior expectativa de que haveria uma 
tragédia no setor hoteleiro. As prefeituras fizeram campanhas para 
cadastrar residências que pudessem hospedar turistas. Agora, a 
Associação de Hotelaria prevê que a ocupação vai variar de 50% em 
algumas cidades, como Natal, a 90%, no Rio de Janeiro. Os preços 
exorbitantes anunciados há meses já caíram e voltará o interesse daquele
 turista que, assustado pelos valores, pensou em não ir para a Copa.
As manifestações. Eu fui presidente da União Nacional dos Estudantes na 
época em que o Brasil tinha um governo militar. Acho que não houve uma 
capital em que não tenha feito uma passeata, uma manifestação, muitas 
vezes reprimida só por ser manifestação. Agora no governo civil, 
democrático, a manifestação é um direito protegido pela lei brasileira. A
 depredação, a ameaça contra a vida não são democráticas nem estão 
protegidas por lei no Brasil. Têm de ser coibidas. Um cinegrafista 
morreu atingido na cabeça por um rojão. Um policial foi queimado, 
tornou-se uma tocha humana na rua. Mas as manifestações pacíficas são 
protegidas. Não acho que se precise mais do que a lei para se enfrentar 
essa questão.
As pessoas perguntam: e os gastos da Copa? Nós sabemos que há pessoas 
que são contra a Copa do Mundo no Brasil, como já ocorreu em 1950, mas 
com exceção de um ou outro partido de pequena representação social e 
parlamentar, não conheço instituições que sejam contra. Não há nessa 
lista um sindicato importante, uma central sindical, uma igreja, os 
católicos ou protestantes, os líderes espirituais afro-brasileiros.
Quem é mesmo que é contra? Uma parte da mídia faz uma campanha aberta, 
mas não é novidade porque em 1950 havia o mesmo debate. Eu disse um dia,
 numa discussão, na “Folha de S. Paulo”, que o Maracanã, construído para
 aquele Mundial, não foi perdoado até hoje. Há pessoas que por 
convicções respeitáveis são contra a Copa, por acharem que deveríamos 
nos dedicar a outras tarefas. Mas há quem imagine que a Copa desviou 
dinheiro da saúde ou da educação. Eu sou ministro do Esporte. O meu 
orçamento não alcança sequer 1% do orçamento da saúde e da educação – e 
nunca houve tanto dinheiro para o esporte como há hoje no Brasil.
Todo o financiamento com garantias de mercado que o BNDES disponibilizou
 para a construção de estádios é menos do que empréstimos que grandes 
empresas multinacionais costumam tomar do banco. Às vezes tomam e tentam
 não pagar. Não há dinheiro do orçamento da União destinado para a Copa 
do Mundo. Eu não destinei para a Copa do Mundo um centavo como ministro 
do Esporte. Há o financiamento e renúncia fiscal para a matéria-prima 
para a construção de alguns estádios, mas em volume proporcionalmente 
pouco significativo, se considerarmos que só a indústria automobilística
 recebeu nos últimos anos 27 bilhões de reais de renúncia fiscal. E 
mesmo assim mandou mais de 27 bilhões como remessa de lucros para suas 
matrizes no exterior. E fazemos a renúncia por quê? Não é porque somos 
amigos ou queremos fazer favor à indústria automobilística. É porque 
queremos preservar os empregos, a competitividade da indústria 
automobilística do Brasil com seus concorrentes no mundo. Ao futebol, 
naturalmente, foi dada uma renúncia fiscal para a construção dos 
estádios na expectativa de que eles retornem com renda, com benefícios.
A ideia de que há no Brasil um grande movimento contra a Copa é falsa. O
 que há é uma aspiração legítima da população para melhorar a educação, a
 saúde, o transporte, a segurança. Manifestantes às vezes procuram 
aproveitar a visibilidade do evento internacional para dar dimensão a 
suas reivindicações. Mas o Brasil só tem a lucrar com a Copa de 2014 e 
os Jogos Olímpicos de 2016. Quando o Japão foi escolhido recentemente 
para sediar as Olimpíadas de 2020, a “Folha de S. Paulo” fez um 
editorial muito interessante. Dizia que  o Japão lutou pelos jogos para 
alcançar dois grandes objetivos: retomar o crescimento de uma economia 
estagnada há décadas; e reconquistar protagonismo diante da projeção e 
da sombra que a China lança sobre o Japão com o seu crescimento, com a 
sua expansão, com as suas iniciativas tecnológicas, como homem no 
espaço, patentes. Eu leio esse editorial e digo: para o Japão, as 
Olimpíadas têm objetivos nobres e geopolíticos e para o Brasil elas são 
um problema, uma confusão que deveríamos descartar. Eis um debate que só
 a realidade concreta, a Copa e os Jogos Olímpicos, vai encerrar. 
Não será uma discussão resolvida pela teoria morta do debate, mas pela teoria viva dos fatos.
* Alagoano, é ministro do esporte.
FONTE: JORNAL GAZETA DE ALAGOAS