Estudante Luísa Leão diz que cadela Sheba abre portas.
ONG aponta que preço dificulta aumento de cães-guias no país.
ONG aponta que preço dificulta aumento de cães-guias no país.
A estudante Luísa Leão tem baixa visão e, mesmo com ajuda de uma
bengala, sentia dificuldade em andar pelas calçadas irregulares de Belém. Tudo mudou há duas semanas, quando ela chegou dos Estados Unidos
com a cadela Sheba, o primeiro cão-guia do Pará. Para muitas pessoas,
cães podem ser grandes companheiros, mas, para Luísa, a labrador
representa mais do que carinho: é uma forma da estudante conquistar sua
independência.
“É um marco. Eu estou começando a viver de novo. Mudam meus objetivos,
eu posso fazer o que eu quiser. Antes eu pedia para irem comigo, me
ensinarem o caminho, e depois eu voltava sozinha. A Sheba é uma chave
que abriu muitas portas”, define Luísa.
A decisão de trocar a bengala por um cão-guia ocorreu em 2012. Como não existem instituições que trabalhem com estes animais no Pará, Luísa procurou ajuda na internet. Ela foi aceita em uma instituição da Califórnia, após duas tentativas frustradas. Ao responder um questionário on-line, a paraense ficou cadastrada na ONG, e aguardou na fila de espera por 1 ano e 10 meses, até que fosse encontrado um animal compatível.
A notícia chegou no mesmo dia em que ela concluiu o curso de História
na Universidade Federal do Pará. O próximo passo foi viajar para os EUA,
onde começou a adaptação entre cadela e treinadora. Durante um mês,
Luísa foi ensinada a passar comandos para Sheba que, por ser
norte-americana, só obedece palavras em inglês. O animal ainda está
aprendendo, mas já mostra vantagens em relação à bengala.
“A Sheba desvia de obstáculos altos, coisa que a bengala não faz. É muito mais rápido e seguro, já que normalmente a pessoa cega bate a cabeça em orelhão e galhos de árvores. Ela também localiza a saída e pontos de referência, como escadas rolantes”. revela. A única dificuldade da cadela é na hora de atravessar a rua: já que ela não consegue entender sinais de trânsito, Sheba só atravessa quando não existem carros à vista, o que pode demorar um pouco. “Se eu falar pra ela ir e ela não achar seguro, ela não vai. É incrível”, disse Luísa.
Superação
O primeiro obstáculo que Sheba teve que superar foi o medo da dona. “Eu gostava de cachorro, mas tinha um pouco de medo. Devido à deficiência visual, meus reflexos são mais limitados e, se um cachorro pular em mim, não tenho a reação de quem enxerga. O primeiro passo foi esse, vencer o medo”, relembra.
Segundo a estudante, esta superação faz parte do processo. “É muito interessante porque você imagina que, ao buscar um cão-guia, ele estará lá, esperando. Não é isso: eu sou treinada para ser a treinadora dela, e devo ensiná-la o tempo todo. Vamos ficar nesse processo por um ano, construindo a confiança dela em mim, e minha nela. É uma coisa incrível, muito emocionante”, define.
Ajudante incomum
Segundo o Projeto Cão-guia, ONG do Distrito Federal especializada neste tipo de animal assistente, a quantidade de cães guia no Brasil é inferior a 100. Apesar de substituir a bengala e dar mais segurança para a pessoa com deficiência, treinar estes animais é caro. “O treinamento não é difícil. Difícil é conseguir o investimento para o treinamento. Um cão-guia tem um custo estimado de trinta mil reais. Este valor engloba da seleção de reprodutores até a sua formatura”, explica Lúcia Campos, coordenadora da ONG.
Nos EUA, Luísa conta que o treinamento dos cães é pago por empresas e voluntários que, em troca, podem batizar o animal. O cão-guia é entregue para quem precisa, sem custo para o dono. Na escola frequentada pela paraense eram formados 30 cães por ano, mas no Brasil a média é bem menor. “Costumo dizer que quem consegue um cão-guia tem mais sorte do que quem ganha na Mega-Sena, já que os sorteios da loteria acontecem toda semana, mas formamos apenas 4 cães por ano”, avalia Lúcia.
Segundo a coordenadora, a preparação dos cães guias começa após os 2 meses de idade, e vai até os 2 anos. Um cão-guia bem cuidado pode trabalhar até os 10 anos, mas existem casos de aposentadoria precoce. Uma das raças mais comuns para cães guias é o labrador, mas Luísa lembra que havia outros animais na escola onde ela conheceu Sheba. “Tinha pastor alemão e até poodle gigante”, conta.
Regulamentação
De acordo com a ONG Cão-guia, uma lei federal de 2005 determina que as pessoas com deficiência podem entrar em ambientes de uso coletivo acompanhadas de cão-guia. Porém, faltam regulamentações no estado e na capital paraense – é por isso que escolas para cegos, como o instituto Álvares de Azevedo, adotam a bengala, já que alguns estabelecimentos não permitem a entrada dos cães guias.
Por se tratar de uma novidade, Luísa conta que já desenvolveu uma
estratégia para fazer valer seu direito: ela sempre anda com uma
carteirinha contendo a lei federal, além da identificação de Sheba.
Mesmo assim, já passou por situações complicadas.
"As pessoas me param sempre. em todo lugar que eu entro, e dizem que não pode entrar cachorro. Explico que é um cão-guia, e normalmente falam com o gerente, que autoriza. Não me barram, mas eu tenho que convencer. No táxi já aconteceu uma situação chata: a gente ligou pra cooperativa, falou que ela ia e, quando o motorista chegou, não deixou a Sheba entrar no carro. Ele foi embora e nem chamou outro motorista”, relembra Luísa.
Mesmo assim, a estudante diz que Sheba é uma companhia inseparável. “Se não deixarem ela entrar, eu chamo a polícia. Ela nunca vai ficar fora. Ninguém pode me separar dela, nem em detector de metais no aeroporto”, ressalta.
Trabalhadora
A relação entre guia e dona é de grande intimidade, mas Luísa sabe que Sheba não é um animal de estimação: seu trabalho exige concentração, e ela não pode se distrair com afagos e petiscos durante o expediente – para Sheba, o sinal de descanso é quando retiram a coleira, e ainda assim com restrições. “Mesmo fora da coleira ela não é um pet, ela não pode querer pular em cima de todo mundo. Ela é um cão-guia 24h por dia”, define.
O trabalho só termina mesmo quando a dona está em segurança. “Temos momentos de carinho, em casa, que é mais seguro. Ela adora uma bagunça”, conta Luísa. “As pessoas adoram inventar dificuldade, dizem ‘coitada da sua cadela’, mas ela é um muito feliz, sai todo dia comigo e conhece diversos lugares. Ela é alegria e amor, tudo é festa. Quando se aposentar, vai continuar conosco”, exalta .
FONTE: G1 - O PORTAL DE NOTÍCIAS DA GLOBO
A decisão de trocar a bengala por um cão-guia ocorreu em 2012. Como não existem instituições que trabalhem com estes animais no Pará, Luísa procurou ajuda na internet. Ela foi aceita em uma instituição da Califórnia, após duas tentativas frustradas. Ao responder um questionário on-line, a paraense ficou cadastrada na ONG, e aguardou na fila de espera por 1 ano e 10 meses, até que fosse encontrado um animal compatível.
Sheba consegue desviar de obstáculos altos, como
galhos de árvores (Foto: Natália Mello / G1)
galhos de árvores (Foto: Natália Mello / G1)
“A Sheba desvia de obstáculos altos, coisa que a bengala não faz. É muito mais rápido e seguro, já que normalmente a pessoa cega bate a cabeça em orelhão e galhos de árvores. Ela também localiza a saída e pontos de referência, como escadas rolantes”. revela. A única dificuldade da cadela é na hora de atravessar a rua: já que ela não consegue entender sinais de trânsito, Sheba só atravessa quando não existem carros à vista, o que pode demorar um pouco. “Se eu falar pra ela ir e ela não achar seguro, ela não vai. É incrível”, disse Luísa.
Superação
O primeiro obstáculo que Sheba teve que superar foi o medo da dona. “Eu gostava de cachorro, mas tinha um pouco de medo. Devido à deficiência visual, meus reflexos são mais limitados e, se um cachorro pular em mim, não tenho a reação de quem enxerga. O primeiro passo foi esse, vencer o medo”, relembra.
Segundo a estudante, esta superação faz parte do processo. “É muito interessante porque você imagina que, ao buscar um cão-guia, ele estará lá, esperando. Não é isso: eu sou treinada para ser a treinadora dela, e devo ensiná-la o tempo todo. Vamos ficar nesse processo por um ano, construindo a confiança dela em mim, e minha nela. É uma coisa incrível, muito emocionante”, define.
Ajudante incomum
Segundo o Projeto Cão-guia, ONG do Distrito Federal especializada neste tipo de animal assistente, a quantidade de cães guia no Brasil é inferior a 100. Apesar de substituir a bengala e dar mais segurança para a pessoa com deficiência, treinar estes animais é caro. “O treinamento não é difícil. Difícil é conseguir o investimento para o treinamento. Um cão-guia tem um custo estimado de trinta mil reais. Este valor engloba da seleção de reprodutores até a sua formatura”, explica Lúcia Campos, coordenadora da ONG.
Nos EUA, Luísa conta que o treinamento dos cães é pago por empresas e voluntários que, em troca, podem batizar o animal. O cão-guia é entregue para quem precisa, sem custo para o dono. Na escola frequentada pela paraense eram formados 30 cães por ano, mas no Brasil a média é bem menor. “Costumo dizer que quem consegue um cão-guia tem mais sorte do que quem ganha na Mega-Sena, já que os sorteios da loteria acontecem toda semana, mas formamos apenas 4 cães por ano”, avalia Lúcia.
Segundo a coordenadora, a preparação dos cães guias começa após os 2 meses de idade, e vai até os 2 anos. Um cão-guia bem cuidado pode trabalhar até os 10 anos, mas existem casos de aposentadoria precoce. Uma das raças mais comuns para cães guias é o labrador, mas Luísa lembra que havia outros animais na escola onde ela conheceu Sheba. “Tinha pastor alemão e até poodle gigante”, conta.
Regulamentação
De acordo com a ONG Cão-guia, uma lei federal de 2005 determina que as pessoas com deficiência podem entrar em ambientes de uso coletivo acompanhadas de cão-guia. Porém, faltam regulamentações no estado e na capital paraense – é por isso que escolas para cegos, como o instituto Álvares de Azevedo, adotam a bengala, já que alguns estabelecimentos não permitem a entrada dos cães guias.
Luísa sempre leva um cartão com a lei federal que
permite o acesso de cães guias em locais públicos (Foto: Natália Mello / G1)
permite o acesso de cães guias em locais públicos (Foto: Natália Mello / G1)
"As pessoas me param sempre. em todo lugar que eu entro, e dizem que não pode entrar cachorro. Explico que é um cão-guia, e normalmente falam com o gerente, que autoriza. Não me barram, mas eu tenho que convencer. No táxi já aconteceu uma situação chata: a gente ligou pra cooperativa, falou que ela ia e, quando o motorista chegou, não deixou a Sheba entrar no carro. Ele foi embora e nem chamou outro motorista”, relembra Luísa.
Mesmo assim, a estudante diz que Sheba é uma companhia inseparável. “Se não deixarem ela entrar, eu chamo a polícia. Ela nunca vai ficar fora. Ninguém pode me separar dela, nem em detector de metais no aeroporto”, ressalta.
Trabalhadora
A relação entre guia e dona é de grande intimidade, mas Luísa sabe que Sheba não é um animal de estimação: seu trabalho exige concentração, e ela não pode se distrair com afagos e petiscos durante o expediente – para Sheba, o sinal de descanso é quando retiram a coleira, e ainda assim com restrições. “Mesmo fora da coleira ela não é um pet, ela não pode querer pular em cima de todo mundo. Ela é um cão-guia 24h por dia”, define.
O trabalho só termina mesmo quando a dona está em segurança. “Temos momentos de carinho, em casa, que é mais seguro. Ela adora uma bagunça”, conta Luísa. “As pessoas adoram inventar dificuldade, dizem ‘coitada da sua cadela’, mas ela é um muito feliz, sai todo dia comigo e conhece diversos lugares. Ela é alegria e amor, tudo é festa. Quando se aposentar, vai continuar conosco”, exalta .
FONTE: G1 - O PORTAL DE NOTÍCIAS DA GLOBO