Ex-número 1 do mundo e
detentora de 19 títulos de Grand Slam, entre simples e duplas, paulistana
faleceu nesta sexta-feira vítima de um câncer
Ao longo de sua premiada carreira, Maria Esther Andion Bueno
ficou conhecida como a Bailarina do Tênis. A alcunha fez jus à plasticidade de
seu jogo gracioso e à habilidade com a raquete. A verdade, no entanto, é que a
maior jogadora do país em todos os tempos foi além: quebrou paradigmas, brilhou
em um esporte em que o Brasil tinha pouca representatividade, ganhou
notoriedade no círculo mais restrito do esporte e deixou um legado indelével.
Sua vida poderia ganhar muitos outros adjetivos. Maria Esther foi uma
vencedora, única e formidável. Lendária. A ex-tenista, um dos grandes nomes da
história do esporte brasileiro, repousou nesta sexta-feira, 8 de junho, aos 78
anos, vítima de um câncer.
Ela estava internada no Hospital Nove de
Julho, na capital paulista. Ela não teve filhos. A morte foi confirmada pelo
sobrinho de Maria Esther, Pedro Bueno. O velório acontece neste sábado, de 8h
às 15h, no salão oval do palácio do governo de São Paulo.
No ano passado, Maria
Esther havia retirado um câncer do lábio, mas o tumor se espalhou para a
garganta. Ela, então, passou por sessões de radioterapia no Hospital Albert
Einstein e apresentou melhora no quadro. Entretanto, a situação se agravou no
último mês de abril. Enquanto jogava tênis - hobby que nunca deixou de praticar
-, sentiu dores e, de início, pensou se tratar de uma lesão. Mas após uma
visita ao médico e novos exames, se descobriu que um novo câncer havia se
espalhado por outros órgãos do corpo. A ex-jogadora optou por não fazer
quimioterapia. Desde então, ela vinha sendo tratada com imunoterapia. Maria
Esther continuava lúcida e, na terça-feira, chegou a assistir ao jogo entre
Novak Djokovic e o italiano Marco Cecchinato pelas quartas de final de Roland
Garros.
Com 19 títulos de Grand
Slam, Maria Esther Bueno é considerada a maior tenista brasileira de todos os
tempos, tendo alcançado o posto de número 1 do mundo em quatro temporadas
(1959, 1960, 1964 e 1966). Ela conquistou o seu 1º título de Grand Slam em
Wimbledon, em 1959, aos 19 anos. Em 1960, ganhou os quatro Grand Slams de
duplas ao vencer na Austrália, com Christine Truman, e em Wimbledon, Roland
Garros e no Aberto dos Estados Unidos, todos em parceria com Darlene Hard. No
total, ganhou 589 títulos ao longo de sua carreira. Ela entrou para o hall da
fama em 1978. Primeiro título em Wimbledon veio aos 19 anos
Maria Esther Bueno começou a jogar tênis de maneira despretensiosa, em
companhia do irmão mais velho, Pedro, no Clube de Regatas Tietê, na zona norte
de São Paulo. Ambos foram levados ao esporte pelo pai, Pedro Augusto, sócio
número 5 do Tietê, que tinha o tênis como maior paixão embora trabalhasse como
tesoureiro.
A proximidade do clube,
que ficava a uma calçada de distância da casa da família, e a empolgação do pai
com o esporte elitista influenciaram Maria Esther de maneira profunda - ela só
descobriria o quanto no futuro, quando desfilaria suas artes na Inglaterra. No
Tietê, ela lapidou seu backhand de uma mão e um jogo de rede agressivo, suas
marcas registradas. Gostava de contar que era auto-didata em quase tudo no que
dizia respeito ao tênis.
Em 1954, então com apenas
14 anos, o baile realmente começou. Maria Esther ganhou o título brasileiro
contra rivais muito mais velhas na época. Três anos depois, conquistou o
importante torneio Orange Bowl, para tenistas júnior, na Flórida. Curiosamente,
ela havia conseguido viajar para a competição graças a uma passagem, somente de
ida, fornecida pelo clube. A dificuldade só fez reforçar a trajetória gloriosa
que veio a seguir.
Entre 1958 e 1977, quando se aposentou oficialmente, Maria
Esther Bueno - cujo nome fãs e personalidades estrangeiras encurtaram para
Maria Bueno - ergueu 71 troféus, dos quais 19 em campeonatos do Grand Slam:
sete em simples, 11 em duplas e um em duplas mistas. O palco em que mais brilhou
foi justamente o mais antigo e importante de todos: Wimbledon. Na grama sagrada
do All England Lawn Tennis and Croquet Clube, em Londres, ela amealhou três
taças em simples (1959, 1960 e 1964) e outras cinco em duplas (1958, 1960,
1963, 1965 e 1966). O primeiro título de Grand Slam veio aos 19 anos.
Tamanho sucesso levou a menina que batia bola
às margens do Rio Tietê a lugares impensáveis. Primeiro a alçou ao posto de
número 1 do ranking mundial em 1959. Com o sucesso, ganhou em apelo popular a
ponto de virar selo dos Correios em homenagem às suas vitórias em Wimbledon.
Em meados da década de
1960, ela estava no auge. E chegou à sua cidade natal para a disputa dos Jogos
Pan-Americanos de 1963 como grande estrela do evento. Antes de ganhar o ouro
nas simples e ser prata nas duplas, a brasileira teve de driblar um incidente
inusitado, do qual costumava rir.
- A principal recordação
foi de um acontecimento um dia antes do início dos Jogos. Tinha ganhado um
filhote de cachorro e estávamos brincando quando acidentalmente ele mordeu
minha mão direita e rasgou bastante a parte interna de um dos dedos. Foi
preciso fazer vários pontos e visitas diárias ao hospital durante o torneio
para que eu pudesse jogar (com muita dificuldade para segurar a raquete) a
semana toda. Os jogos foram todos relativamente fáceis e na final venci uma
ex-campeã de Roland Garros, uma das melhores jogadoras mexicanas e especialista
em quadras de saibro, Yolanda Ramirez, por 6/3 e 6/3 - disse ela em entrevista
à "Folha de S.Paulo", em 2003.
O fenômeno não foi maior apenas porque Maria
Esther atuou em uma época sem ferramentas de comunicação tão eficientes e
quando os torneios eram amadores. A profissionalização do tênis foi sedimentada
em 1968, com mudanças nas regras de premiação que inauguraram a chamada era
aberta. A brasileira, já acometida por lesões nos braços e pernas, competiu
pouco depois disso. Fez algumas exibições e conquistou um único título, o
Aberto do Japão de 1974.
A distância das quadras
não fez com que fosse menos reverenciada por seus pares e pelo mundo. Em 1978,
foi indicada ao Hall da Fama do tênis. Além dela, somente Gustavo Kuerten
recebeu a honraria, em 2012 - enquanto via o tricampeão de Roland Garros entrar
para a elite do esporte, teve de lidar com a perda do irmão, Pedro, que a
ajudara nos tempos de Clube Tietê e de quem era muito próxima. Há quatro anos,
Maria Esther também recebeu a Medalha Anchieta e o Diploma de
Gratidão de São Paulo, as mais altas distinções da cidade em que
nasceu. No ano seguinte, recebeu homenagem na abertura do Centro
Olímpico de Tênis dos Jogos Olímpicos do Rio.
- Eu não tenho palavras
para expressar a minha gratidão e o quanto eu estou feliz. Este é um dos dias
mais felizes de minha vida e, sem dúvida, uma das maiores homenagens que eu já
recebi em vida. Fico tremendamente emocionada. Não posso nem dizer o quanto
significa ter conseguido colocar meu nome em um estádio tão maravilhoso, um
estádio olímpico. Tenho certeza que as Olimpíadas no Brasil serão as melhores
do mundo. Todos perguntavam se os Jogos iam ficar prontos, ninguém confiava na
gente - disse ela em 2015.
A ex-tenista foi garota-propaganda de um dos
patrocinadores da Olimpíada do Rio e conduziu a chama olímpica no revezamento
da tocha em julho de 2016. Também participou da cerimônia de encerramento do
megaevento, onde carregou a bandeira brasileira antes da execução do hino
nacional.
Em meio às ações como
embaixadora, nas duas últimas décadas ela começou a divulgar o esporte em que
brilhou. Tornou-se comentarista da TV Globo/SporTV e da rede britânica BBC. Em
fevereiro deste ano, ela participou da transmissão do SporTV do Rio Open.
Maria Esther costumava
afirmar que gostava de dar informações sobre os bastidores dos atletas, dos
eventos e do jogo em vez de fazer uma análise ponto a ponto das partidas. Faz
todo o sentido para alguém que fez do tênis um balé. Ou uma poesia. Ou uma
elegante fantasia. Tudo se encaixa na descrição que inúmeros especialistas da
modalidade fizeram ao longo de décadas de Maria Esther Bueno, agora ícone
eterno do esporte brasileiro.