Na companhia da mãe e na companhia virtual,
Calebe, de 13 anos, passa os dias aprendendo em casa. Ele saiu da escola há
três anos por decisão dos pais, que moram em Belo
Horizonte.
“Se você quer formar cidadão e pessoas, a física
e a química não vão formar”, explica o pai e empresário Gilmar de
Carvalho.
A irmã de Calebe tem 15 anos e também não
frequenta a escola desde os 12. Os pais dizem que os filhos, hoje, rendem muito
mais.
“Eu lembro quando eles faziam a interpretação de
texto, eu mais interpretava para eles do que eles mesmos”, conta a mãe e dona
de casa Vânia Lúcia de Carvalho.
Em casa, Calebe tem um cantinho de estudo, o
escritório da casa. Ele não tem uma rotina muito rígida, uma quantidade
específica de horas para estudar, mas uma coisa é obrigatória todos os dias: a
leitura.
Será que Calebe gosta mesmo de estudar em casa?
“Prefiro, porque aqui eu consigo estudar tranquilo”, diz o adolescente.
A Justiça determinou no mês passado que Calebe e
a irmã voltem para a escola até o começo de março, porque a legislação
brasileira não prevê a educação domiciliar.
O mesmo aconteceu com um casal que vive na zona
rural de Caratinga,
interior de Minas Gerais.
Eles também tiraram os filhos do colégio. O Fantástico contou em 2008 a
história da família.
“Eles se tornaram autodidatas, sem aquela
dependência para serem ensinados para aprender”, diz o designer Cleber Andrade
Nunes.
Os filhos, hoje, com 18 e 19 anos, estão há sete
longe da escola.
“Em casa a gente aprendeu a gostar daquilo que a
gente tava aprendendo”, conta o webdesigner Jonatas Nunes.
“A gente que fazia os horários, a gente que fazia
todo o esquema de estudo”, lembra o programador Davi Nunes.
Quando tinham 12 e 13 anos passaram no vestibular
de Direito, só pra provar que podiam. Agora, eles pretendem fazer o Exame
Nacional do Ensino Médio, para tentar conseguir um certificado de conclusão do
curso, o que é permitido pelo Ministério da
Educação.
A irmã mais nova de Jonatas e Davi segue o mesmo
caminho.
A Ana tem cinco anos, nunca foi a uma creche ou
escola e os pais querem que continue assim, que a educação seja só em casa. Ela
já está sendo alfabetizada.
“Ela já está alfabetizada com cinco. Desde quatro
aninhos ela já estava lendo e alfabetizada em inglês também”, conta a mãe
Bernadeth Amorim.
“Nossos filhos não precisam da escola. A escola
deve ser a última alternativa”, afirma Cleber Andrade Nunes.
Essa decisão custou caro para o casal, que até
hoje tem problemas com a justiça. Eles devem mais de R$ 10 mil e
respondem por abandono intelectual. “Nós corremos esse risco e estariamos
disposto a ir até as últimas consequências”, diz Cleber.
Eles não estão sozinhos. A Associação Nacional de
Educação Domiciliar afirma que, no Brasil, cerca de mil famílias dão lições aos
filhos menores em casa.
Nos Estados Unidos, a educação
domiciliar é aceita em vários estados. Em 2007, 1,5 milhão de crianças estudava
assim.
No Brasil, um projeto de lei em tramitação no
Congresso Nacional pretende liberar esse tipo de aprendizado, mas as crianças
teriam que passar por exames periódicos.
Para a pedagoga da PUC de São Paulo
Maria Stela Graciani, quem não tem convívio escolar deixa de interagir. “Ela
perde a essência da convivência comunitária”, explica.
Os pais rebatem. Ana brinca com amiguinhas do
bairro todos os diase Calebe faz aulas de violão e também tem amigos.
Para o promotor da infância e juventude de Belo
Horizonte Celso Penna Fernandes Júnior, esses pais desrespeitam o Estatuto da
Criança e do Adolescente, que diz que eles devem matricular os filhos na rede
regular de ensino.
Já os pais se apoiam num artigo da Declaração
Universal dos Direitos Humanos, que diz que eles têm prioridade na escolha do
aprendizado.
“A Declaração Universal dos Direitos do Homem não
é incompatível com a lei brasileira e nem poderia ser. O que eu acho que ela
não quer que aconteça é que o estado resolva estabelecer um único tipo de
educação para toda a sociedade”, diz o promotor.
Ele multou os pais de Calebe em três salários
mínimos cada um por desrespeito ao estatuto. Eles também podem perder a guarda
dos filhos se os adolescentes não voltarem à escola.
“Vamos lutar pra que a lei no nosso país admita
essa instrução domiciliar”, diz o pai de Calebe.
FONTE: G1 – O PORTAL DE NOTÍCIAS
DA GLOBO
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