MARCELA BUSCATO E NATHALIA ZIEMKIEWICZ
A estudante Laura Aragão, de 9 anos, abraça sua “irmã” Hanna, fêmea de dog alemão, internada no hospital veterinário. Os bichos viraram parte emocional da família (Foto: Marcelo Min)
As ideias do filósofo americano Henry David
Thoreau sempre estiveram à frente de seu tempo. Ele morreu em 1862, a três anos
de ver a Constituição americana oficializar a proibição da escravidão, uma das
causas que defendera. Interessado nas interações humanas com a natureza, foi um
dos precursores dos conceitos de ecologia e ambientalismo. Sua filosofia da
desobediência civil – a resistência aos atos de governos injustos – influenciou
líderes como o pacifista indiano Mahatma Gandhi. O pensamento de Thoreau
permanece atual também num dos aspectos essenciais da vida moderna, quando trata
da relação entre humanos e seus animais de estimação. Thoreau escolheu viver no
campo, à beira de um lago, para desfrutar a vida simples. Lá, depois de
observar os vizinhos e seus animais, chegou a uma conclusão que ainda hoje
resume a relação do Homo sapiens com seus bichos domésticos: “Com
frequência, um homem é mais próximo de um gato ou de um cachorro do que de
qualquer outro ser humano”.
Capa da edição 766 de ÉPOCA que está nas
bancas (Foto: Johnny Duarte/ÉPOCA )
Desde os tempos de Thoreau, muita coisa mudou –
mas esse aspecto da vida moderna apenas confirmou a percepção do filósofo. Os
animais tornaram-se parte da família. Numa pesquisa recente, nove em cada dez
pessoas ouvidas nos Estados Unidos afirmam que seus sentimentos pelos animais
domésticos são semelhantes àqueles que nutrem pelas pessoas mais próximas. Para
os amantes dos bichos, é apenas a constatação do óbvio. Para quem não gosta de
intimidade com os animais, é um desvio de comportamento a ser explicado por
psicólogos. Como é possível o sentimento por animais rivalizar com o apego às
pessoas?
No recém-lançado What’s a dog for? (Para que serve um cão?, sem edição no Brasil), o jornalista americano John Homans investiga as explicações científicas e filosóficas para a “estranha situação de ter um predador em sua casa, deitado de barriga para cima, esperando alguém lhe fazer cócegas”. Em outro livro recente, também sem tradução no Brasil, Another insane devotion (algo como Outra devoção insana), o americano Peter Trachtenberg narra a procura por sua gata Biscuit, metáfora para seu casamento em crise. Ele descobre que o amor por Biscuit e o amor pela mulher guardam pontos em comum.
Goste-se ou não, a elevação do status dos animais
a integrantes da família está aí. Basta passear pelos perfis de amigos e
parentes nas redes sociais para constatá-lo. As fotos do cachorro disputam
espaço com as do bebê. As declarações de amor aos animais se sucedem em
cascata. Vídeos que capturam a fofurice de cãezinhos e as proezas de bichanos –
já viram os gatos cantores? – são campões absolutos de audiência. A oferta de
produtos e serviços para os bichos de estimação é mais um indício de amor
desmedido: há de padaria a manicure especializada, num mercado que movimenta R$
12,5 bilhões por ano no país. Estima-se que os brasileiros, donos de 101
milhões de animais domésticos, gastem R$ 400 mensais em cuidados com eles.
FONTE: REVISTA ÉPOCA
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