Área
dos jazigos perpétuos no Memorial Jardim dos Animais, que fica a 50
quilômetros do centro de Brasília (Foto: Sheila Ângela Ribeiro/Arquivo
Pessoal)
Uma notícia de televisão deixou a pedagoga Sheila Ângela Ribeiro
alarmada: como aliviaria as saudades do cãozinho Bigode quando ele
morresse, se em Brasília
não havia cemitério de animais? Apoiada pelo marido e pelas filhas, ela
decidiu largar a elaboração de provas de concurso e se dedicar à
construção de um estabelecimento do tipo. A sede é formada por um amplo
gramado verde e fica a 50 quilômetros do Plano Piloto, longe do concreto
e das longas filas de carros que se formam no centro da cidade.
"Resolvemos que o Bigode teria, sim, um lugar especial onde pudéssemos
de vez em quando matar a saudade dele. Resolvemos então compartilhar a
nossa atitude com as pessoas que também poderiam estar passando pela
mesma situação que a gente e não tinham como dar dignidade para o seu
amigo, companheiro, filho, irmão após a morte", explica a pedagoga.
"Queremos prestar uma última homenagem àqueles que, durante o tempo em
que estiveram conosco, nunca nos cobraram nada, nunca pediram nada em
troca, só carinho e atenção."
Os moldes do estabelecimento surgiram depois de a pedagoga conhecer
sete lugares do tipo na região Sudeste. Sheila considerou essencial que o
ambiente transmitisse a sensação de paz e escolheu uma área de 12 mil
metros quadrados. No Memorial Jardim dos Animais há dois tipos de
jazigos: não perpétuo – depois de dois anos o corpo é exumado e os
restos mortais são encaminhados para um ossário, por R$ 300 – e perpétuo
– o dono pode enterrar quantos animais quiser, por R$ 500.
Túmulo de cão enterrado no Memorial Jardim dos Animais, que fica a 50 quilômetros do centro de Brasília (Foto: Raquel Morais/G1)
As campas dividem o cemitério em duas grandes partes. Cada uma dessas
regiões é subdividida em lotes menores, que têm nomes de flores ou de
pedras preciosas. Todos os túmulos ganham uma lápide com o nome do
animal, além das datas de nascimento e morte. Os donos podem ainda
enfeitar o espaço como preferirem. Flores e brinquedos estão entre os
adornos mais comuns.
“Nossa ideia é diminuir o peso, o sofrimento. É por isso que todo
animal é enterrado aqui debaixo de uma salva de palmas. Queremos
demonstrar nossa gratidão. Eu sempre me emociono, porque entendo os
sentimentos desses pais e mães. Dói muito mesmo. Tem gente que continua
vindo visitar depois”, diz a idealizadora.
Imagem de São Francisco de Assis na sala de velório do Memorial Jardim dos Animais (Foto: Raquel Morais/G1)
De acordo com Sheila, os “pais” e “mães” podem agendar o horário da
despedida e usar a sala de velório. Todos os cultos são permitidos no
local, que tem uma imagem de São Francisco – considerado o protetor dos
animais – em cima de uma mesinha coberta por uma toalha de patinhas. Ao
lado, uma salinha guarda um mural com fotos dos bichinhos enterrados e
cartinhas escritas pelos donos. Quem se sentir à vontade, também
encontra uma prateleira para deixar brinquedos, que são doados a ONGs.
Durante os três anos de funcionamento do memorial, mais de 800 pets já
foram enterrados no local. Aproximadamente 80% deles são cachorros, mas
houve também enterros “diferentes”, como de coelhos e calopsitas.
Preocupada em garantir aos bichinhos um tratamento especial, Sheila se
encarrega de acompanhar pessoalmente todos os enterros e a consolar os
donos. Ela descreve com precisão detalhes dos últimos dias de cada um
deles.
“Essa daqui, por exemplo, estava meio surdinha e pulou da sacada do
apartamento porque ouviu o dono conversando no térreo”, diz, mostrando
um dos túmulos mais enfeitados do local.
Além disso, no local também é oferecida a opção de plano funerário
preventivo: os interessados pagam cinco mensalidades de R$ 100 para
reservar uma vaga no cemitério. Ao longo dos três anos de funcionamento
do memorial, 35 pessoas já fizeram adesão.
“Tem um homem que me ligou para comprar em segredo, sem que a família
soubesse. Ele veio até com roupa de academia. Falou que nunca mais quer
me ver, que não quer que eu telefone, que não quer precisar entrar em
contato”, conta a empresária.
Comprador do primeiro plano funerário, o servidor público Paulo Cezar
Dutra Ferreira diz acreditar ter tomado uma boa decisão. A aquisição
aconteceu logo que o memorial foi implantado, em 2011, quando o poodle
Luck tinha 12 anos. O animal não morreu, mas acabou perdendo parte da
visão e da audição no intervalo.
“Minha filha estava fazendo veterinária e quis que incentivássemos o
trabalho da Sheila. Além disso, queríamos garantir que os restos mortais
seriam descartados em um local apropriado. Tem o carinho que a gente
tem por eles, o amor que a gente sente”, explica Ferreira. “Meu
cachorrinho, graças a Deus, mesmo nessa situação, está com a gente.
Queremos não precisar usar nunca. A chegada dele na nossa casa foi uma
alegria. A gente tem paixão por animal.”
Histórias
A pedagoga, que tem de cabeça a história de cada bichinho enterrado no local, já esteve pessoalmente em clínicas veterinárias para buscar os corpos e consolar os donos. O transporte dos animais que moram no DF é gratuito – também já foram sepultados pets que viviam em Formosa, Valparaíso e Goiânia. Em média, o memorial realiza dois enterros por dia.
A pedagoga, que tem de cabeça a história de cada bichinho enterrado no local, já esteve pessoalmente em clínicas veterinárias para buscar os corpos e consolar os donos. O transporte dos animais que moram no DF é gratuito – também já foram sepultados pets que viviam em Formosa, Valparaíso e Goiânia. Em média, o memorial realiza dois enterros por dia.
Lembrança póstuma feita pelo dono do pug Messi, enterrado no Memorial Jardim dos Animais (Foto: Sheila Ângela Ribeiro/Arquivo Pessoal)
Entre as histórias que considera mais marcantes está a do pug Messi.
Com problemas neurológicos, ele foi cuidado por uma protetora de animais
até ser adotado. O dono fez questão de levar a cadela que cuidou dele
como mãe, além de amigos para a despedida. Além disso, distribuiu fotos e
cantou durante o enterro. O animal tinha 4 anos e ganhou um túmulo no
setor Esmeralda, com direito a muitos arranjos de flores. “Foi
emocionante”, lembra a mulher.
A empresária também acabou se envolvendo com a famíla da poodle
Channaya. “Filha” da estudante de recursos humanos Natália Soares
Fernandes, ela morreu em janeiro deste ano, aos 14 anos, vítima de
câncer. O tumor começou na mama e, mesmo após a cirurgia, acabou se
espalhando para o pulmão e para o baço. Ao ouvir que não havia mais
tratamento, a dona decidiu procurar Sheila para conhecer melhor o
serviço. A cadela acabou morrendo no mesmo dia, poucas horas depois.
“Passei mal no dia. Era minha companheira. Aonde eu ia, ela ia. Se eu
viajava, eu levava. Se eu ia para o banheiro, ela estava na porta.
Quando eu estudava, ela ficava em cima da cama comigo”, conta a
estudante. “Dei a autorização, e o pessoal mesmo a buscou no hospital
veterinário. A gente enterrou no dia seguinte, e foi igual a um enterro
de humano. Foi triste. O túmulo da Channaya é todo enfeitado. Coloquei
grade, coloquei a bolinha que ela gostava. Chega me emociono quando falo
disso. Tem uma florzinha de madeira que comprei para deixar lá. Ir ao
memorial é um alívio. Difícil é sentir saudade, mas é a vida.”
A estudante de recursos humanos Natália Soares Fernandes e a poodle Channaya (Foto: Natália Soares Fernandes/Arquivo Pessoal)
A mesma dor é relatada pelo engenheiro Pedro Galvão Bittencourt. A
poodle Donna morreu aos 12 anos, após problemas provocados por um
remédio usado para controlar um descompasso hormonal. A cadela foi
adotado pelo homem e pela ex-mulher no início do casamento e permaneceu
com ele após a separação.
“Ela teve sensibilidade de ver que a Donna, de quem ela também gostava
muito, tinha algo muito forte comigo. Não havia um momento em que ela
não estivesse comigo, que não soubesse interpretar meu sentimento. Todas
as pessoas que me conhecem, inclusive a pessoa com quem eu comprei ela,
dizia que ela era como minha alma gêmea canina. Minha ex tinha
convicção. Eu sabia o que ela sentia pelos latidos, o que ela queria”,
disse Bittencourt.
A cachorra morreu em 22 de setembro de 2012 e, desde então, o
engenheiro tenta visitar o túmulo uma vez por mês. Ele sempre liga para a
pedagoga para auxiliá-lo, por se sentir abalado com a situação.
“Até hoje eu não esqueço a lembrança dela. Todo dia 22 é dia dela. Eu
não estando viajando, sempre peço para a Sheila me levar até lá. Não me
sinto seguro de dirigir até o local. Eu troco as flores. Ela era a minha
filha. Na placa eu coloquei o nome dela e o meu sobrenome. Ela era
conhecida assim.”
A empresária destaca ainda o enterro do papagaio Eduardo, de 34 anos.
Morto em abril, ele já recebeu visitas da companheira, Mônica. Os nomes
do casal de aves foram escolhidos em homenagem à música de Renato Russo.
Mural com recados para os pets enterrados no Memorial Jardim dos Animais (Foto: Raquel Morais/G1)
Para Sheila, o tratamento é o diferencial no serviço. Ela conta que
sentiu falta do apoio quando perdeu o primeiro animal, ganhado quando a
filha mais velha ainda era criança. Tico, um Daschund, morreu com 1,5
ano após ser envenenado. A família acabou deixando o corpo na clínica,
por não saber como fazer diante da situação.
Anos depois, a pedagoga voltou a se ver diante de um dilema: o
passarinho das filhas, Pepeto, também morreu, e foi preciso simular um
velório. “Ninguém dá credibilidade para animais nesse sentido. Eu me
apego junto com os donos, choro, sofro. Acho que é esse amor que faz a
diferença aqui no cemitério”, declarou.
FONTE: G1 - O PORTAL DE NOTÍCIAS DA GLOBO
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