Mãe de Betina Nokleby se refugiou na casa da ex-premiê em 1938.
Edith Muhlbauer ensinou Margaret, aos 13 anos, a pintar os lábios.
Betina segura o livro sobre a vida de Thatcher em sua casa, na Zona Sul de São Paulo (Foto: Raul Zito/G1)
A artista plástica e administradora Betina Nokleby, 51 anos, teve que
providenciar um chapéu preto para participar do funeral de Margaret
Thatcher, que será realizado nesta quarta-feira (17), em Londres. A
brasileira, que mora na Zona Sul de São Paulo,
é filha de Edith Muhlbauer, judia austríaca que se refugiou durante
dois anos na casa da família Roberts, e ensinou a Dama de Ferro a pintar
os lábios e compreender as causas judaicas.
Betina recebeu o convite do gabinete do filho de Thatcher, Mark, logo
após o falecimento da ex-premiê. Junto com o marido, aproveitará a
ocasião para celebrar o próprio aniversário em Londres – ela completa 52
anos no dia posterior à cerimônia – e homenagear, indiretamente, a mãe.
“Minha mãe era filha única, aceitou sair de Viena sozinha. Ela estava
prevista embarcar num navio que foi bombardeado. Por algum motivo só
embarcou no dia seguinte. Não sei se foi por lotação, ou a papelada. Ela
tinha que viver, e eu tinha que estar contando essa história. Sinto que
ela está aqui, presente.”
Edith tinha 17 anos quando Adolf Hitler invadiu Viena, em 1938. Como
era de costume na época, a jovem se correspondia através de cartas com
inúmeras pessoas de outros países, em um programa de "pen pal". Dentre
os remetentes estava Muriel, irmã de Margareth Thatcher.
Nas correspondências, ela passou a narrar as mudanças no cotidiano de
seu país e fez um apelo na tentativa de escapar da expansão nazista.
Margaret, com 13 anos, e Muriel, com 17, organizaram, então, com a ajuda
do pai, uma campanha no Rotary Club para levar a adolescente para
Inglaterra.
“Ela dizia que, se não fosse a ajuda da família Roberts,
teria ido para um campo de concentração”, afirma Betina.
Porta-retrato de Edith decora a sala da casa
de Betina (Foto: Raul Zito/G1)
de Betina (Foto: Raul Zito/G1)
Durante dois anos, no período de 1938 a 1940, Edith dividiu o quarto
com Muriel e Margareth na casa da família Roberts, em Grantham, uma
pacata cidade inglesa. A artista plástica comenta que sua mãe dizia ter
ensinado a Dama de Ferro a usar batom. O aprendizado, inclusive, abalou
as estruturas da família inglesa.
“Eu lembro dela contando que ensinou a Margareth a pintar os lábios. E
disse que foi um caos na casa porque o Sr. Roberts não admitia que as
filhas se pintassem, se maquiassem. E ela foi um furor que chegou.”
Betina descreve a mãe como uma mulher muito bonita, alta, vaidosa,
educada e elegante. E crê que a figura, aliada às experiências de vida,
teria provocado encantamento em Margaret Thatcher.
Para a filha, a convivência com uma família britânica também refletiu
no comportamento de Edith.
“Minha mãe era uma pessoa altamente educada,
de classe, boas maneiras. A nossa educação à mesa, os modos, era tudo
muito britânico. Claro que ela também teve uma influência grande do
tempo que passou com os Roberts."
Edith Muhlbauer morreu em 2005. Ela chegou a ser convidada para
participar da comemoração dos 80 de Thatcher. Já com dificuldades de
locomoção, não pode viajar. Na época, quem a localizou no Brasil foi um
jornalista de Londres, a pedido de Margaret.
Betina Nokleby irá ao funeral como forma de agradecimento pelo que a família de Thatcher fez por sua mãe (Foto: Raul Zito/G1)
Nazismo
Betina nunca viu as cartas trocadas por Edith e Muriel. Ela imagina que boa parte das recordações tenham se perdido na mudança para a Inglaterra e, mais tarde, quando foi morar, a convite de um familiar, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. “Ela chegou à Inglaterra com uma malinha vermelha. Vimos em algum lugar que a Muriel declarou ter guardado essa mala durante muitos anos.”
Ela também acredita que algumas memórias da mãe tenham se perdido em
três enchentes que inundaram a casa onde moraram na década de 70 no
Guarujá, litoral de São Paulo. “Lembro que ela tinha muitos papeis,
documentos nas prateleiras. Foi tudo perdido.”
O drama vivido pela mãe antes de escapar de Viena é pouco conhecido por
Betina. Ela reconhece que a história sempre foi presente em sua casa,
mas sem narrativas explícitas do de dor. “É sempre muito presente
imaginar que minha mãe sofreu o nazismo. Eu não tenho parentes nenhum na
Áustria.
Acabou, sumiu, desapareceu. Minha mãe não era uma judia
praticante, mas de sangue, sem dúvida.
Tinha os laços judaicos dentro
dela. E uma coisa que marcou, é que em os nazistas faziam os judeus
lavarem o chão. Minha mãe eu acredito que não tenha chegado a sofrer
isso. Eu acho que tem muito até da humilhação. Ela não abriu. Pode ser
que meu irmão mais velho tenha mais detalhes, mas eu não."
Ela recorda, porém, que a matriarca não quis assistir ao filme “A lista
de Schindler” (longa de Steven Spielberg, de 1993). "Foi um boom na
época, mas marcava muito, traziam memórias que ela não tinha interesse."
Hoje Betina trabalha em uma empresa americana, e deixou de exercer a
profissão de artista plástica há dez anos. Questionada se pretende fazer
alguma homenagem à família de Thatcher, ela encara a pergunta como um
conselho. “É uma boa idéia. Fazer um quadro e mandar para eles. Pode ser
um projeto.”
Betina guarda as edições de jornais internacionais que noticiaram a história de sua mãe (Foto: Raul Zito/G1)
FONTE: G1 - O PORTAL DE NOTÍCIAS DA GLOBO
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