Palestra realizada no King’s College
de Londres a convite daquela instituição do Reino Unido. O texto
obedece a exposição oral com pequenas alterações de estilo para a
presente publicação
Por: ALDO REBELO*
Aldo Rabelo
Antes de abordarmos a Copa do Mundo no Brasil, seria
importante traçarmos um breve painel da importância do futebol como
fenômeno social em nosso País. O futebol no Brasil é uma das poucas,
talvez a única instituição que nasceu, cresceu e consolidou-se à margem
dos dois grandes construtores institucionais do mundo contemporâneo – o
mercado e o Estado. Quando o Estado criou o Conselho Nacional do
Desporto, em 1940, o futebol já delineava os traços que possui hoje. Os
grandes clubes de massa existiam como instituições nacionais, o esporte
era paixão e fantasia para a população brasileira. E a aproximação do
mercado foi ainda mais tardia, data da década de 1980, com a presença
dos patrocinadores e dos direitos de transmissão de imagem. Até então a
TV não transmitia futebol ao vivo, apenas o videoteipe.
O futebol no Brasil foi a primeira grande plataforma de promoção social dos jovens pobres e dos jovens negros. Quando o brasileiro descendente de britânico Charles Miller levou da Inglaterra as regras e a bola para a primeira partida, o Brasil era um País muito desigual – ainda mais desigual do que é hoje. Os jovens pobres, mestiços, negros, mulatos, não tinham nem acesso à escola. O futebol deu ao País as primeiras celebridades jovens e negras. Um mulato de São Paulo, Friedenreich, filho de um alemão e uma negra, foi o primeiro ídolo de massas, autor do gol que deu ao Brasil a primeira vitória num torneio internacional, o Campeonato Sul-Americano de 1919. Os que viram Friedenreich jogar disseram maravilhas do seu talento. Um garoto pobre do Norte do Brasil, do Estado do Maranhão, chamado Fausto, foi à Copa do Mundo do Uruguai em 1930 e voltou denominado de “A Maravilha Negra”. Surgiram nessa época Domingos da Guia e Leônidas da Silva, conhecido como “Diamante Negro”. Esses jovens foram admirados, reconhecidos, queridos e respeitados. A maioria do povo brasileiro tinha uma condição social semelhante à deles – predominavam os socialmente excluídos, excluídos da escola, dos empregos, das melhores oportunidades e assim se identificaram não apenas com aqueles jovens talentos bem-sucedidos, mas também com o esporte que eles praticavam.
O futebol passou a ter força e magia. Quando um clube do Rio de Janeiro resistiu à pressão para excluir jogadores negros e trabalhadores do seu time, porque também no Brasil o futebol começou como esporte da elite, o povo foi abrindo espaço no campo com muita luta. No começo, era jogado pela manhã, depois da missa, pelos jovens da aristocracia de São Paulo e do Rio de Janeiro. Mas um clube criado pela comunidade portuguesa, o Vasco da Gama, resolveu incluir negros, que eram os melhores jogadores. Foi banido da liga. Essa história é contada em detalhes num livro clássico, “O Negro no Futebol Brasileiro”, de autoria do jornalista Mário Filho cujo nome batiza o estádio do Maracanã e teve como irmão um grande dramaturgo e cronista esportivo chamado Nélson Rodrigues. Em São Paulo o preconceito não era de cor, mas contra o imigrante. O time da colônia italiana, Palestra Itália, que depois se tornou Palmeiras, era alvo da mesma discriminação. A escalação do Palestra não era escrita nos jornalões conservadores de São Paulo, mesmo quando ele vencia seus adversários. Os italianos imigrantes pobres, muitas vezes analfabetos, eram discriminados pela elite.
Creio que esses traços do futebol, associados à luta contra o preconceito, adicionaram sinais de singularidade para além da simples prática do esporte, realçando a ascensão de jovens pobres que se tornavam celebridades pelo talento e pela arte com que jogavam. O fato de o futebol ser abraçado, desenvolver-se e tornar-se tão popular e artístico no Brasil muito contribuiu para a sua universalização. Outras modalidades foram levadas daqui, mas não vingaram. O próprio Charles Miller escreveu para os amigos na Inglaterra dizendo que tentou popularizar o críquete, mas não teve nenhum sucesso. Já o futebol difundiu-se com rapidez. Numa carta, de 1905 ou 1906, ele falava em centenas de clubes que se espalhavam pelo estado de São Paulo, nas margens das ferrovias, pois eram os ferroviários que organizavam os clubes. Clubes de regatas abriam um departamento de futebol.
O futebol poderia ser um esporte, anglo-saxão a mais, limitado a poucos países como o é o rúgbi, mas veio a se tornar um esporte universal. É popular na Europa, na América, na Ásia, na África, na Oceania. Já é muito difundido na China, no Vietnã, no mundo árabe, com jogadores brasileiros atuando em todos os países. Fui essa semana a uma cidade do interior de São Paulo onde existe um clube sem muita tradição, recém-fundado, que foi fazer um amistoso há pouco tempo na Coréia do Norte. E me disseram: havia 80 mil espectadores dentro do estádio e 30 mil fora, querendo entrar. E não era uma atração conhecida no mundo esportivo.
Como disse, os grandes clubes brasileiros são instituições nacionais. Não são instituições regionais. Eles são quase que como um fator da identidade do País. Antes de aprender, na sala de aula, a geografia e a história do Brasil, o menino já torce por um time que tem dimensão nacional e passa a construir a sua identidade a partir também do futebol, da Seleção ou do clube de massa que ele escolhe para torcer. O Brasil é o único País que participou de todas as Copas do Mundo, tem cinco títulos de 19 disputados, foi duas vezes vice, duas vezes terceiro e uma vez quarto colocado, ou seja, sempre foi um protagonista nesse esporte. Tem o maior artilheiro, o jogador que fez mais gols em Copas é o Ronaldo, e tem Pelé, um astro reconhecido mundialmente, um ídolo capaz até de parar guerras, como aconteceu na África onde facções em conflito fizeram uma trégua para vê-lo. No Peru, num jogo em que o Rei foi expulso, a torcida exigiu que o juiz é que saísse e Pelé ficasse para continuar a partida.
A Copa do Mundo, portanto, vai ser realizada no País que pode ser considerado, senão a casa ou o berço, que foi aqui, mas o espaço onde o futebol mais se desenvolveu e ganhou status de arte. O historiador inglês Eric Hobsbawm, no livro “A Era dos Extremos”, põe o futebol na categoria das artes e justifica dizendo que um amigo francês, acho que coreógrafo, disse que não se pode negar ao futebol o status de arte, principalmente quando se via a Seleção brasileira, e ele, portanto, tirou esse capítulo do futebol do esporte e o colocou no da arte. Um jogador inglês, que foi daqui nos anos de 1940 jogar no Rio de Janeiro, voltou dizendo: “As regras são as mesmas, mas parece que jogamos dois esportes diferentes. Nós, ingleses, não damos aqueles dribles que os brasileiros dão nem que tenhamos que salvar a própria vida com eles.” É o que um grande intérprete do Brasil, o sociólogo Gilberto Freyre, observa: nós incorporamos muito ao futebol não só do europeu, mas também do africano. O futebol brasileiro, segundo ele, tem coreografia de dança. Mas eu diria que ainda tem muito do índio, ou seja, da liberdade que o índio sente dentro da floresta, da ausência da disciplina imposta pelo trabalho assalariado ou pela escravidão, que o índio sempre rejeitou e a que sempre resistiu. O português via isso como indolência, mas nós vemos como resistência. O Garrincha, por exemplo, era descendente de índios. Acho que o improviso dele tinha muito da liberdade que a ascendência indígena lhe permitia na vida e, portanto, nos movimentos dentro de campo.
A Copa vai ser realizada nesse País de grandes virtudes civilizatórias e defeitos também. Grandes deficiências que nós não pretendemos omitir nem esconder. O Brasil real está lá. Um País com 16 mil km de fronteiras pacíficas sem nenhum litígio com seus dez vizinhos. Eu testemunhei situações que em outros lugares seriam inconcebíveis, como uma casa construída com a cozinha no Brasil e a sala na Venezuela. O construtor não sabia que ali passava uma linha imaginária de fronteira e ergueu a morada exatamente em cima dessa linha. É uma casa binacional. Creio que em qualquer lugar isso já teria dado um grande problema diplomático, mas as autoridades, de parte a parte, ainda não se mobilizaram para resolver esse impasse. A casa está lá até hoje. Nós temos oito mil km de litoral. Não há nenhum rochedo, nenhuma ilhota, nenhum atol que seja reivindicado por ninguém.
O País foi se constituindo com a fusão e a convivência de três troncos civilizatórios muito distintos: o europeu, o indígena, que lá estava e ainda permanece, e o africano. Nós somos, sem negação de nenhum desses troncos, o resultado dessa convivência. Pelo Carnaval, fui acampar com índios xavantes no Mato Grosso. Mil quilômetros de asfalto de Brasília, mais 80 km de terra, mais duas horas de barco pelo Rio das Mortes, para chegar a uma comunidade de 112 pessoas, em que apenas quatro falavam português. Nenhuma mulher nem criança conseguia falar, a não ser nos chamar de “warazu”, que é “homem branco”. Eu disse: “Mas essa comunidade vive no Brasil estudando em escola bilíngue, integrada ao País e com uma identidade, que é o futebol”. Nós organizamos os Jogos Indígenas. O esporte que eles pedem para disputar é o futebol. É o único que todas as tribos praticam e o único que praticam homens e mulheres. Nessa aldeia xavante o assunto era que no dia anterior à minha chegada as mulheres da tribo tinham derrotado os veteranos num jogo de futebol.
Nós temos orgulho dessa origem e ascendência. Isso faz com que o Brasil, mesmo entre grandes deficiências, tenha a capacidade de negar e de combater o racismo, o ódio religioso, étnico, nacional. Não temos regionalismos extremados. Os nossos regionalismos são a afirmação da nacionalidade. Aqui nós temos uma diplomata e um jornalista que são gaúchos, mas quando a Seleção brasileira está em apuros prefere jogar no Rio Grande do Sul porque tem certeza de que lá será firmemente apoiada. No Nordeste, a mesma coisa. São áreas com traços regionalistas muito fortes, mas não existe regionalismo de negação e sim de afirmação da nacionalidade.
Vamos fazer a Copa em 12 cidades. Houve um debate no Brasil sobre a necessidade de se fazer ou não o torneio em tantos locais. Poderíamos fazer em menos, na verdade poderíamos fazê-la só em São Paulo, cuja capital teria três grandes estádios disponíveis, e grandes cidades do interior e litoral. Mas essa não seria a Copa do Brasil. A sede de Manaus está em região que representa 2/3 do território brasileiro – a Amazônia. A seleção inglesa vai jogar nessa cidade que é um triunfo do esforço brasileiro para ocupar uma vastidão imensa. Primeiro, o esforço dos portugueses de consolidar sua presença diante da cobiça de todos os impérios coloniais. Remanescem lá, no maciço, três antigas colônias: a inglesa, hoje Guiana, a holandesa, que é o Suriname, já independentes, e a francesa que permanece como Departamento de Ultramar. Houve naquela região invasões de franceses e holandeses, disputa com a Inglaterra por território. Portugal, e depois o Brasil, consolidamos a região como território brasileiro. Manaus é capital do estado do Amazonas, que quase 1,6 milhão de km². A comparação que me vem é que corresponde a três vezes o território da França. Esse estado tem 98% da sua área cobertos de florestas nativas. Dois por cento são ocupados por cidades, pecuária, agricultura e outras atividades. Viajam-se horas de avião sem ver outra coisa a não ser floresta virgem. Grandes áreas estão reservadas para os índios. Fui até a fronteira com a Venezuela inaugurar um programa para crianças indígenas. Ali há aldeias a que se chega após sete dias de barco.
A Amazônia, além desse bioma preservado, constitui uma civilização própria com a sua culinária sofisticada. Quem não experimentou ainda o pato no tucupi? A iguaria já paga uma viagem à região onde existem a floresta, a fauna, o guaraná, os peixes, uma cultura e um imaginário. Como poderíamos deixar a Amazônia fora da Copa? Como excluir o Pantanal Mato-grossense e a cidade de Cuiabá? As outras cidades-sedes estão autoexplicadas: são metrópoles do litoral, do centro-sul. Mas nas demais os novos estádios significam mais que campos de futebol: serão centros de convenções, bares, restaurantes. Em Natal, as lojas da Arena das Dunas têm o metro quadrado mais elevado da cidade porque fica em área central, com segurança, estacionamento e todo mundo quer ter lá uma academia, uma agência bancária, uma butique, um escritório.
Esses estádios vão elevar a renda do futebol brasileiro dentro da economia brasileira e elevar o PIB do futebol brasileiro dentro do PIB do futebol mundial. Somos protagonistas no campo, mas fora dele somos um fiasco. Os ingleses têm um pouco mais de 30% do PIB mundial do futebol. Acho que os alemães têm em torno de 20%. Os espanhóis um pouco menos. Nós estamos lá embaixo, exportamos os artistas e importamos o espetáculo. Queremos mudar essa relação. Temos muito jogadores, eles podem jogar em clubes de todo o mundo, mas queremos também vender serviços futebolísticos. Queremos receber equipes para treinar. Temos uma grande reputação na área de Fisioterapia e Nutrição do esporte. Muitos jogadores que atuam na Europa, quando se machucam, vão se recuperar no Brasil porque a nossa Medicina esportiva é muito desenvolvida. Precisamos exportar esses serviços.
Na Copa, trabalhamos para evitar efeitos indesejados como, por exemplo, o encarecimento do preço dos ingressos. Considerando que os custos desses estádios vão ser grandes, as entradas e os serviços oferecidos ficarão caros, mas que se reserve uma área para o torcedor mais pobre. Senão o futebol será descaracterizado na sua essência. Com todo respeito pelas demais artes, um teatro é para 500 ou 800 pessoas. Um estádio é para 50 mil, 80 mil. Wembley recebe 90 mil. Como é possível fazer um estádio desses e não oferecer ingresso a preços populares? Discuti o assunto com os proprietários das arenas e os clubes, em defesa de uma política que assegure uma parte dos ingressos a preços acessíveis para quem não é rico. Outros problemas estão em debate. Há, por exemplo, uma proibição de venda de cerveja nos estádios. Os proprietários dizem: “Como é que vou alugar espaço para um bar onde é proibido vender cerveja?” O único bar do mundo em que não se pode beber é o bar do estádio no Brasil. Vi que em Wembley existem muitos bares – não sei se aqui seria possível proibir a cerveja. Quando os ingleses de uma indústria têxtil no Rio de Janeiro criaram seu clube, o Bangu, e começaram a construir um estádio, fizeram primeiro o quê? O bar.
A Copa projeta o Brasil. Serão aproximadamente 40 bilhões de telespectadores acumulados para ver os jogos. A final de 2010 na África teve três bilhões de telespectadores; a da Alemanha em torno disso. São mais de 18 mil jornalistas credenciados e outra multidão que vai sem avisar. O governo não fez nenhum estudo próprio, mas consultorias privadas, a Ernst & Young, americana, e a Fundação Getúlio Vargas, que é brasileira, elaboraram a prospecção “Impactos Socioeconômicos dos Grandes Eventos no Brasil”, incluindo os Jogos Olímpicos de 2016. Apenas para a Copa de 2014 a previsão é de geração de 3,6 milhões de empregos. O torneio agregaria ao PIB brasileiro pelo menos uma taxa anual de 0,4% até 2019. Para cada real investido pelo poder público haveria a contrapartida de 3,4 reais de investimento privado. Os negócios na área de comunicação, publicidade, turismo, alimentação, transporte, material comemorativo, bandeiras, inúmeras atividades econômicas nas doze cidades-sedes são muito grandes e lucrativos. A Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos cuida de reunir milhares de empresários que querem aproveitar a Copa para conhecer o Brasil e suas possibilidades de negócios. Montamos uma cesta de produtos que podem ser negociados. É uma grande oportunidade.
O País vai estar seguro para as delegações das 31 seleções visitantes, autoridades, inclusive muitos chefes de Estado, jornalistas, turistas estrangeiros e torcedores nacionais. Tomamos os cuidados necessários à segurança. Esses eventos atraem muitas vezes a fúria. Nas Olimpíadas de Munique, na Alemanha, atletas foram sequestrados quando já estavam na Vila Olímpica, com dupla proteção, do comitê olímpico e do Estado alemão. E mesmo assim foram sequestrados e assassinados. Nos Jogos de Atlanta, nos Estados Unidos, houve atentado com morte. Agora mesmo a Rússia tomou medidas preventivas severas porque havia risco nos Jogos de Inverno. Não creio que o Brasil seja alvo desse tipo de fúria, que tem como base o ódio nacional, religioso, étnico. Mas há o crime comum que atinge a própria população brasileira, um fenômeno indesejado que procuramos enfrentar e combater. Houve muito investimento em centros de comando e controle sofisticados capazes de prevenir e impedir ações criminosas.
As pessoas perguntam: e o legado? O legado está sendo construído. No setor de telecomunicações, para transmissão dos jogos e comunicação dos torcedores, última fronteira que alcançamos para completar a rede nacional foi Manaus. Tivemos de atravessar florestas e rios para chegar à cidade. A obra não servirá só à Copa, tem múltiplas utilidades, como conectar as universidades a todos os centros de investigação científica do Brasil e do mundo. Ligamos a própria Universidade do Amazonas, ou seja, foi um benefício para a Ciência, para a comunidade acadêmica do Brasil. Fica como benfeitoria para a população. Em São Paulo, o estádio de abertura da Copa é construído na área de menor Índice de Desenvolvimento Humano da mais rica cidade brasileira. Por conta da arena do Corinthians já foi inaugurada no bairro de Itaquera uma universidade de tecnologia. Uma escola técnica está pronta e funcionará durante a Copa com parte da estrutura de apoio. Depois, será uma escola técnica regular. As duas grandes avenidas pelas quais circula a população dessa região de São Paulo estão sendo interligadas. Provavelmente nem turistas nem seleções passarão por elas, mas a cidade ficará com esse legado. Cuiabá, no Centro-Oeste, vai ter um veículo leve sobre trilhos, uma espécie de metrô de superfície ligando-a à cidade de Várzea Grande, de fica o aeroporto. É um novo equipamento de transporte de massa. E assim pelo Brasil inteiro teremos essas obras que nenhuma Seleção vai levar. Ficarão para a nossa população.
Os atrasos das obras são um assunto recorrente. Sim, existe atraso. Nós deveríamos ter aprontado doze estádios até dezembro de 2013, e entregamos nove. Mas todos estarão adequadamente prontos para os jogos da Copa. Quanto aos aeroportos, teremos mais de 50% da capacidade aeroportuária em relação à demanda projetada para 2014. Não haverá problema de aeroporto. Criou-se a maior expectativa de que haveria uma tragédia no setor hoteleiro. As prefeituras fizeram campanhas para cadastrar residências que pudessem hospedar turistas. Agora, a Associação de Hotelaria prevê que a ocupação vai variar de 50% em algumas cidades, como Natal, a 90%, no Rio de Janeiro. Os preços exorbitantes anunciados há meses já caíram e voltará o interesse daquele turista que, assustado pelos valores, pensou em não ir para a Copa.
As manifestações. Eu fui presidente da União Nacional dos Estudantes na época em que o Brasil tinha um governo militar. Acho que não houve uma capital em que não tenha feito uma passeata, uma manifestação, muitas vezes reprimida só por ser manifestação. Agora no governo civil, democrático, a manifestação é um direito protegido pela lei brasileira. A depredação, a ameaça contra a vida não são democráticas nem estão protegidas por lei no Brasil. Têm de ser coibidas. Um cinegrafista morreu atingido na cabeça por um rojão. Um policial foi queimado, tornou-se uma tocha humana na rua. Mas as manifestações pacíficas são protegidas. Não acho que se precise mais do que a lei para se enfrentar essa questão.
As pessoas perguntam: e os gastos da Copa? Nós sabemos que há pessoas que são contra a Copa do Mundo no Brasil, como já ocorreu em 1950, mas com exceção de um ou outro partido de pequena representação social e parlamentar, não conheço instituições que sejam contra. Não há nessa lista um sindicato importante, uma central sindical, uma igreja, os católicos ou protestantes, os líderes espirituais afro-brasileiros.
Quem é mesmo que é contra? Uma parte da mídia faz uma campanha aberta, mas não é novidade porque em 1950 havia o mesmo debate. Eu disse um dia, numa discussão, na “Folha de S. Paulo”, que o Maracanã, construído para aquele Mundial, não foi perdoado até hoje. Há pessoas que por convicções respeitáveis são contra a Copa, por acharem que deveríamos nos dedicar a outras tarefas. Mas há quem imagine que a Copa desviou dinheiro da saúde ou da educação. Eu sou ministro do Esporte. O meu orçamento não alcança sequer 1% do orçamento da saúde e da educação – e nunca houve tanto dinheiro para o esporte como há hoje no Brasil.
Todo o financiamento com garantias de mercado que o BNDES disponibilizou para a construção de estádios é menos do que empréstimos que grandes empresas multinacionais costumam tomar do banco. Às vezes tomam e tentam não pagar. Não há dinheiro do orçamento da União destinado para a Copa do Mundo. Eu não destinei para a Copa do Mundo um centavo como ministro do Esporte. Há o financiamento e renúncia fiscal para a matéria-prima para a construção de alguns estádios, mas em volume proporcionalmente pouco significativo, se considerarmos que só a indústria automobilística recebeu nos últimos anos 27 bilhões de reais de renúncia fiscal. E mesmo assim mandou mais de 27 bilhões como remessa de lucros para suas matrizes no exterior. E fazemos a renúncia por quê? Não é porque somos amigos ou queremos fazer favor à indústria automobilística. É porque queremos preservar os empregos, a competitividade da indústria automobilística do Brasil com seus concorrentes no mundo. Ao futebol, naturalmente, foi dada uma renúncia fiscal para a construção dos estádios na expectativa de que eles retornem com renda, com benefícios.
A ideia de que há no Brasil um grande movimento contra a Copa é falsa. O que há é uma aspiração legítima da população para melhorar a educação, a saúde, o transporte, a segurança. Manifestantes às vezes procuram aproveitar a visibilidade do evento internacional para dar dimensão a suas reivindicações. Mas o Brasil só tem a lucrar com a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Quando o Japão foi escolhido recentemente para sediar as Olimpíadas de 2020, a “Folha de S. Paulo” fez um editorial muito interessante. Dizia que o Japão lutou pelos jogos para alcançar dois grandes objetivos: retomar o crescimento de uma economia estagnada há décadas; e reconquistar protagonismo diante da projeção e da sombra que a China lança sobre o Japão com o seu crescimento, com a sua expansão, com as suas iniciativas tecnológicas, como homem no espaço, patentes. Eu leio esse editorial e digo: para o Japão, as Olimpíadas têm objetivos nobres e geopolíticos e para o Brasil elas são um problema, uma confusão que deveríamos descartar. Eis um debate que só a realidade concreta, a Copa e os Jogos Olímpicos, vai encerrar.
Não será uma discussão resolvida pela teoria morta do debate, mas pela teoria viva dos fatos.
* Alagoano, é ministro do esporte.
O futebol no Brasil foi a primeira grande plataforma de promoção social dos jovens pobres e dos jovens negros. Quando o brasileiro descendente de britânico Charles Miller levou da Inglaterra as regras e a bola para a primeira partida, o Brasil era um País muito desigual – ainda mais desigual do que é hoje. Os jovens pobres, mestiços, negros, mulatos, não tinham nem acesso à escola. O futebol deu ao País as primeiras celebridades jovens e negras. Um mulato de São Paulo, Friedenreich, filho de um alemão e uma negra, foi o primeiro ídolo de massas, autor do gol que deu ao Brasil a primeira vitória num torneio internacional, o Campeonato Sul-Americano de 1919. Os que viram Friedenreich jogar disseram maravilhas do seu talento. Um garoto pobre do Norte do Brasil, do Estado do Maranhão, chamado Fausto, foi à Copa do Mundo do Uruguai em 1930 e voltou denominado de “A Maravilha Negra”. Surgiram nessa época Domingos da Guia e Leônidas da Silva, conhecido como “Diamante Negro”. Esses jovens foram admirados, reconhecidos, queridos e respeitados. A maioria do povo brasileiro tinha uma condição social semelhante à deles – predominavam os socialmente excluídos, excluídos da escola, dos empregos, das melhores oportunidades e assim se identificaram não apenas com aqueles jovens talentos bem-sucedidos, mas também com o esporte que eles praticavam.
O futebol passou a ter força e magia. Quando um clube do Rio de Janeiro resistiu à pressão para excluir jogadores negros e trabalhadores do seu time, porque também no Brasil o futebol começou como esporte da elite, o povo foi abrindo espaço no campo com muita luta. No começo, era jogado pela manhã, depois da missa, pelos jovens da aristocracia de São Paulo e do Rio de Janeiro. Mas um clube criado pela comunidade portuguesa, o Vasco da Gama, resolveu incluir negros, que eram os melhores jogadores. Foi banido da liga. Essa história é contada em detalhes num livro clássico, “O Negro no Futebol Brasileiro”, de autoria do jornalista Mário Filho cujo nome batiza o estádio do Maracanã e teve como irmão um grande dramaturgo e cronista esportivo chamado Nélson Rodrigues. Em São Paulo o preconceito não era de cor, mas contra o imigrante. O time da colônia italiana, Palestra Itália, que depois se tornou Palmeiras, era alvo da mesma discriminação. A escalação do Palestra não era escrita nos jornalões conservadores de São Paulo, mesmo quando ele vencia seus adversários. Os italianos imigrantes pobres, muitas vezes analfabetos, eram discriminados pela elite.
Creio que esses traços do futebol, associados à luta contra o preconceito, adicionaram sinais de singularidade para além da simples prática do esporte, realçando a ascensão de jovens pobres que se tornavam celebridades pelo talento e pela arte com que jogavam. O fato de o futebol ser abraçado, desenvolver-se e tornar-se tão popular e artístico no Brasil muito contribuiu para a sua universalização. Outras modalidades foram levadas daqui, mas não vingaram. O próprio Charles Miller escreveu para os amigos na Inglaterra dizendo que tentou popularizar o críquete, mas não teve nenhum sucesso. Já o futebol difundiu-se com rapidez. Numa carta, de 1905 ou 1906, ele falava em centenas de clubes que se espalhavam pelo estado de São Paulo, nas margens das ferrovias, pois eram os ferroviários que organizavam os clubes. Clubes de regatas abriam um departamento de futebol.
O futebol poderia ser um esporte, anglo-saxão a mais, limitado a poucos países como o é o rúgbi, mas veio a se tornar um esporte universal. É popular na Europa, na América, na Ásia, na África, na Oceania. Já é muito difundido na China, no Vietnã, no mundo árabe, com jogadores brasileiros atuando em todos os países. Fui essa semana a uma cidade do interior de São Paulo onde existe um clube sem muita tradição, recém-fundado, que foi fazer um amistoso há pouco tempo na Coréia do Norte. E me disseram: havia 80 mil espectadores dentro do estádio e 30 mil fora, querendo entrar. E não era uma atração conhecida no mundo esportivo.
Como disse, os grandes clubes brasileiros são instituições nacionais. Não são instituições regionais. Eles são quase que como um fator da identidade do País. Antes de aprender, na sala de aula, a geografia e a história do Brasil, o menino já torce por um time que tem dimensão nacional e passa a construir a sua identidade a partir também do futebol, da Seleção ou do clube de massa que ele escolhe para torcer. O Brasil é o único País que participou de todas as Copas do Mundo, tem cinco títulos de 19 disputados, foi duas vezes vice, duas vezes terceiro e uma vez quarto colocado, ou seja, sempre foi um protagonista nesse esporte. Tem o maior artilheiro, o jogador que fez mais gols em Copas é o Ronaldo, e tem Pelé, um astro reconhecido mundialmente, um ídolo capaz até de parar guerras, como aconteceu na África onde facções em conflito fizeram uma trégua para vê-lo. No Peru, num jogo em que o Rei foi expulso, a torcida exigiu que o juiz é que saísse e Pelé ficasse para continuar a partida.
A Copa do Mundo, portanto, vai ser realizada no País que pode ser considerado, senão a casa ou o berço, que foi aqui, mas o espaço onde o futebol mais se desenvolveu e ganhou status de arte. O historiador inglês Eric Hobsbawm, no livro “A Era dos Extremos”, põe o futebol na categoria das artes e justifica dizendo que um amigo francês, acho que coreógrafo, disse que não se pode negar ao futebol o status de arte, principalmente quando se via a Seleção brasileira, e ele, portanto, tirou esse capítulo do futebol do esporte e o colocou no da arte. Um jogador inglês, que foi daqui nos anos de 1940 jogar no Rio de Janeiro, voltou dizendo: “As regras são as mesmas, mas parece que jogamos dois esportes diferentes. Nós, ingleses, não damos aqueles dribles que os brasileiros dão nem que tenhamos que salvar a própria vida com eles.” É o que um grande intérprete do Brasil, o sociólogo Gilberto Freyre, observa: nós incorporamos muito ao futebol não só do europeu, mas também do africano. O futebol brasileiro, segundo ele, tem coreografia de dança. Mas eu diria que ainda tem muito do índio, ou seja, da liberdade que o índio sente dentro da floresta, da ausência da disciplina imposta pelo trabalho assalariado ou pela escravidão, que o índio sempre rejeitou e a que sempre resistiu. O português via isso como indolência, mas nós vemos como resistência. O Garrincha, por exemplo, era descendente de índios. Acho que o improviso dele tinha muito da liberdade que a ascendência indígena lhe permitia na vida e, portanto, nos movimentos dentro de campo.
A Copa vai ser realizada nesse País de grandes virtudes civilizatórias e defeitos também. Grandes deficiências que nós não pretendemos omitir nem esconder. O Brasil real está lá. Um País com 16 mil km de fronteiras pacíficas sem nenhum litígio com seus dez vizinhos. Eu testemunhei situações que em outros lugares seriam inconcebíveis, como uma casa construída com a cozinha no Brasil e a sala na Venezuela. O construtor não sabia que ali passava uma linha imaginária de fronteira e ergueu a morada exatamente em cima dessa linha. É uma casa binacional. Creio que em qualquer lugar isso já teria dado um grande problema diplomático, mas as autoridades, de parte a parte, ainda não se mobilizaram para resolver esse impasse. A casa está lá até hoje. Nós temos oito mil km de litoral. Não há nenhum rochedo, nenhuma ilhota, nenhum atol que seja reivindicado por ninguém.
O País foi se constituindo com a fusão e a convivência de três troncos civilizatórios muito distintos: o europeu, o indígena, que lá estava e ainda permanece, e o africano. Nós somos, sem negação de nenhum desses troncos, o resultado dessa convivência. Pelo Carnaval, fui acampar com índios xavantes no Mato Grosso. Mil quilômetros de asfalto de Brasília, mais 80 km de terra, mais duas horas de barco pelo Rio das Mortes, para chegar a uma comunidade de 112 pessoas, em que apenas quatro falavam português. Nenhuma mulher nem criança conseguia falar, a não ser nos chamar de “warazu”, que é “homem branco”. Eu disse: “Mas essa comunidade vive no Brasil estudando em escola bilíngue, integrada ao País e com uma identidade, que é o futebol”. Nós organizamos os Jogos Indígenas. O esporte que eles pedem para disputar é o futebol. É o único que todas as tribos praticam e o único que praticam homens e mulheres. Nessa aldeia xavante o assunto era que no dia anterior à minha chegada as mulheres da tribo tinham derrotado os veteranos num jogo de futebol.
Nós temos orgulho dessa origem e ascendência. Isso faz com que o Brasil, mesmo entre grandes deficiências, tenha a capacidade de negar e de combater o racismo, o ódio religioso, étnico, nacional. Não temos regionalismos extremados. Os nossos regionalismos são a afirmação da nacionalidade. Aqui nós temos uma diplomata e um jornalista que são gaúchos, mas quando a Seleção brasileira está em apuros prefere jogar no Rio Grande do Sul porque tem certeza de que lá será firmemente apoiada. No Nordeste, a mesma coisa. São áreas com traços regionalistas muito fortes, mas não existe regionalismo de negação e sim de afirmação da nacionalidade.
Vamos fazer a Copa em 12 cidades. Houve um debate no Brasil sobre a necessidade de se fazer ou não o torneio em tantos locais. Poderíamos fazer em menos, na verdade poderíamos fazê-la só em São Paulo, cuja capital teria três grandes estádios disponíveis, e grandes cidades do interior e litoral. Mas essa não seria a Copa do Brasil. A sede de Manaus está em região que representa 2/3 do território brasileiro – a Amazônia. A seleção inglesa vai jogar nessa cidade que é um triunfo do esforço brasileiro para ocupar uma vastidão imensa. Primeiro, o esforço dos portugueses de consolidar sua presença diante da cobiça de todos os impérios coloniais. Remanescem lá, no maciço, três antigas colônias: a inglesa, hoje Guiana, a holandesa, que é o Suriname, já independentes, e a francesa que permanece como Departamento de Ultramar. Houve naquela região invasões de franceses e holandeses, disputa com a Inglaterra por território. Portugal, e depois o Brasil, consolidamos a região como território brasileiro. Manaus é capital do estado do Amazonas, que quase 1,6 milhão de km². A comparação que me vem é que corresponde a três vezes o território da França. Esse estado tem 98% da sua área cobertos de florestas nativas. Dois por cento são ocupados por cidades, pecuária, agricultura e outras atividades. Viajam-se horas de avião sem ver outra coisa a não ser floresta virgem. Grandes áreas estão reservadas para os índios. Fui até a fronteira com a Venezuela inaugurar um programa para crianças indígenas. Ali há aldeias a que se chega após sete dias de barco.
A Amazônia, além desse bioma preservado, constitui uma civilização própria com a sua culinária sofisticada. Quem não experimentou ainda o pato no tucupi? A iguaria já paga uma viagem à região onde existem a floresta, a fauna, o guaraná, os peixes, uma cultura e um imaginário. Como poderíamos deixar a Amazônia fora da Copa? Como excluir o Pantanal Mato-grossense e a cidade de Cuiabá? As outras cidades-sedes estão autoexplicadas: são metrópoles do litoral, do centro-sul. Mas nas demais os novos estádios significam mais que campos de futebol: serão centros de convenções, bares, restaurantes. Em Natal, as lojas da Arena das Dunas têm o metro quadrado mais elevado da cidade porque fica em área central, com segurança, estacionamento e todo mundo quer ter lá uma academia, uma agência bancária, uma butique, um escritório.
Esses estádios vão elevar a renda do futebol brasileiro dentro da economia brasileira e elevar o PIB do futebol brasileiro dentro do PIB do futebol mundial. Somos protagonistas no campo, mas fora dele somos um fiasco. Os ingleses têm um pouco mais de 30% do PIB mundial do futebol. Acho que os alemães têm em torno de 20%. Os espanhóis um pouco menos. Nós estamos lá embaixo, exportamos os artistas e importamos o espetáculo. Queremos mudar essa relação. Temos muito jogadores, eles podem jogar em clubes de todo o mundo, mas queremos também vender serviços futebolísticos. Queremos receber equipes para treinar. Temos uma grande reputação na área de Fisioterapia e Nutrição do esporte. Muitos jogadores que atuam na Europa, quando se machucam, vão se recuperar no Brasil porque a nossa Medicina esportiva é muito desenvolvida. Precisamos exportar esses serviços.
Na Copa, trabalhamos para evitar efeitos indesejados como, por exemplo, o encarecimento do preço dos ingressos. Considerando que os custos desses estádios vão ser grandes, as entradas e os serviços oferecidos ficarão caros, mas que se reserve uma área para o torcedor mais pobre. Senão o futebol será descaracterizado na sua essência. Com todo respeito pelas demais artes, um teatro é para 500 ou 800 pessoas. Um estádio é para 50 mil, 80 mil. Wembley recebe 90 mil. Como é possível fazer um estádio desses e não oferecer ingresso a preços populares? Discuti o assunto com os proprietários das arenas e os clubes, em defesa de uma política que assegure uma parte dos ingressos a preços acessíveis para quem não é rico. Outros problemas estão em debate. Há, por exemplo, uma proibição de venda de cerveja nos estádios. Os proprietários dizem: “Como é que vou alugar espaço para um bar onde é proibido vender cerveja?” O único bar do mundo em que não se pode beber é o bar do estádio no Brasil. Vi que em Wembley existem muitos bares – não sei se aqui seria possível proibir a cerveja. Quando os ingleses de uma indústria têxtil no Rio de Janeiro criaram seu clube, o Bangu, e começaram a construir um estádio, fizeram primeiro o quê? O bar.
A Copa projeta o Brasil. Serão aproximadamente 40 bilhões de telespectadores acumulados para ver os jogos. A final de 2010 na África teve três bilhões de telespectadores; a da Alemanha em torno disso. São mais de 18 mil jornalistas credenciados e outra multidão que vai sem avisar. O governo não fez nenhum estudo próprio, mas consultorias privadas, a Ernst & Young, americana, e a Fundação Getúlio Vargas, que é brasileira, elaboraram a prospecção “Impactos Socioeconômicos dos Grandes Eventos no Brasil”, incluindo os Jogos Olímpicos de 2016. Apenas para a Copa de 2014 a previsão é de geração de 3,6 milhões de empregos. O torneio agregaria ao PIB brasileiro pelo menos uma taxa anual de 0,4% até 2019. Para cada real investido pelo poder público haveria a contrapartida de 3,4 reais de investimento privado. Os negócios na área de comunicação, publicidade, turismo, alimentação, transporte, material comemorativo, bandeiras, inúmeras atividades econômicas nas doze cidades-sedes são muito grandes e lucrativos. A Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos cuida de reunir milhares de empresários que querem aproveitar a Copa para conhecer o Brasil e suas possibilidades de negócios. Montamos uma cesta de produtos que podem ser negociados. É uma grande oportunidade.
O País vai estar seguro para as delegações das 31 seleções visitantes, autoridades, inclusive muitos chefes de Estado, jornalistas, turistas estrangeiros e torcedores nacionais. Tomamos os cuidados necessários à segurança. Esses eventos atraem muitas vezes a fúria. Nas Olimpíadas de Munique, na Alemanha, atletas foram sequestrados quando já estavam na Vila Olímpica, com dupla proteção, do comitê olímpico e do Estado alemão. E mesmo assim foram sequestrados e assassinados. Nos Jogos de Atlanta, nos Estados Unidos, houve atentado com morte. Agora mesmo a Rússia tomou medidas preventivas severas porque havia risco nos Jogos de Inverno. Não creio que o Brasil seja alvo desse tipo de fúria, que tem como base o ódio nacional, religioso, étnico. Mas há o crime comum que atinge a própria população brasileira, um fenômeno indesejado que procuramos enfrentar e combater. Houve muito investimento em centros de comando e controle sofisticados capazes de prevenir e impedir ações criminosas.
As pessoas perguntam: e o legado? O legado está sendo construído. No setor de telecomunicações, para transmissão dos jogos e comunicação dos torcedores, última fronteira que alcançamos para completar a rede nacional foi Manaus. Tivemos de atravessar florestas e rios para chegar à cidade. A obra não servirá só à Copa, tem múltiplas utilidades, como conectar as universidades a todos os centros de investigação científica do Brasil e do mundo. Ligamos a própria Universidade do Amazonas, ou seja, foi um benefício para a Ciência, para a comunidade acadêmica do Brasil. Fica como benfeitoria para a população. Em São Paulo, o estádio de abertura da Copa é construído na área de menor Índice de Desenvolvimento Humano da mais rica cidade brasileira. Por conta da arena do Corinthians já foi inaugurada no bairro de Itaquera uma universidade de tecnologia. Uma escola técnica está pronta e funcionará durante a Copa com parte da estrutura de apoio. Depois, será uma escola técnica regular. As duas grandes avenidas pelas quais circula a população dessa região de São Paulo estão sendo interligadas. Provavelmente nem turistas nem seleções passarão por elas, mas a cidade ficará com esse legado. Cuiabá, no Centro-Oeste, vai ter um veículo leve sobre trilhos, uma espécie de metrô de superfície ligando-a à cidade de Várzea Grande, de fica o aeroporto. É um novo equipamento de transporte de massa. E assim pelo Brasil inteiro teremos essas obras que nenhuma Seleção vai levar. Ficarão para a nossa população.
Os atrasos das obras são um assunto recorrente. Sim, existe atraso. Nós deveríamos ter aprontado doze estádios até dezembro de 2013, e entregamos nove. Mas todos estarão adequadamente prontos para os jogos da Copa. Quanto aos aeroportos, teremos mais de 50% da capacidade aeroportuária em relação à demanda projetada para 2014. Não haverá problema de aeroporto. Criou-se a maior expectativa de que haveria uma tragédia no setor hoteleiro. As prefeituras fizeram campanhas para cadastrar residências que pudessem hospedar turistas. Agora, a Associação de Hotelaria prevê que a ocupação vai variar de 50% em algumas cidades, como Natal, a 90%, no Rio de Janeiro. Os preços exorbitantes anunciados há meses já caíram e voltará o interesse daquele turista que, assustado pelos valores, pensou em não ir para a Copa.
As manifestações. Eu fui presidente da União Nacional dos Estudantes na época em que o Brasil tinha um governo militar. Acho que não houve uma capital em que não tenha feito uma passeata, uma manifestação, muitas vezes reprimida só por ser manifestação. Agora no governo civil, democrático, a manifestação é um direito protegido pela lei brasileira. A depredação, a ameaça contra a vida não são democráticas nem estão protegidas por lei no Brasil. Têm de ser coibidas. Um cinegrafista morreu atingido na cabeça por um rojão. Um policial foi queimado, tornou-se uma tocha humana na rua. Mas as manifestações pacíficas são protegidas. Não acho que se precise mais do que a lei para se enfrentar essa questão.
As pessoas perguntam: e os gastos da Copa? Nós sabemos que há pessoas que são contra a Copa do Mundo no Brasil, como já ocorreu em 1950, mas com exceção de um ou outro partido de pequena representação social e parlamentar, não conheço instituições que sejam contra. Não há nessa lista um sindicato importante, uma central sindical, uma igreja, os católicos ou protestantes, os líderes espirituais afro-brasileiros.
Quem é mesmo que é contra? Uma parte da mídia faz uma campanha aberta, mas não é novidade porque em 1950 havia o mesmo debate. Eu disse um dia, numa discussão, na “Folha de S. Paulo”, que o Maracanã, construído para aquele Mundial, não foi perdoado até hoje. Há pessoas que por convicções respeitáveis são contra a Copa, por acharem que deveríamos nos dedicar a outras tarefas. Mas há quem imagine que a Copa desviou dinheiro da saúde ou da educação. Eu sou ministro do Esporte. O meu orçamento não alcança sequer 1% do orçamento da saúde e da educação – e nunca houve tanto dinheiro para o esporte como há hoje no Brasil.
Todo o financiamento com garantias de mercado que o BNDES disponibilizou para a construção de estádios é menos do que empréstimos que grandes empresas multinacionais costumam tomar do banco. Às vezes tomam e tentam não pagar. Não há dinheiro do orçamento da União destinado para a Copa do Mundo. Eu não destinei para a Copa do Mundo um centavo como ministro do Esporte. Há o financiamento e renúncia fiscal para a matéria-prima para a construção de alguns estádios, mas em volume proporcionalmente pouco significativo, se considerarmos que só a indústria automobilística recebeu nos últimos anos 27 bilhões de reais de renúncia fiscal. E mesmo assim mandou mais de 27 bilhões como remessa de lucros para suas matrizes no exterior. E fazemos a renúncia por quê? Não é porque somos amigos ou queremos fazer favor à indústria automobilística. É porque queremos preservar os empregos, a competitividade da indústria automobilística do Brasil com seus concorrentes no mundo. Ao futebol, naturalmente, foi dada uma renúncia fiscal para a construção dos estádios na expectativa de que eles retornem com renda, com benefícios.
A ideia de que há no Brasil um grande movimento contra a Copa é falsa. O que há é uma aspiração legítima da população para melhorar a educação, a saúde, o transporte, a segurança. Manifestantes às vezes procuram aproveitar a visibilidade do evento internacional para dar dimensão a suas reivindicações. Mas o Brasil só tem a lucrar com a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Quando o Japão foi escolhido recentemente para sediar as Olimpíadas de 2020, a “Folha de S. Paulo” fez um editorial muito interessante. Dizia que o Japão lutou pelos jogos para alcançar dois grandes objetivos: retomar o crescimento de uma economia estagnada há décadas; e reconquistar protagonismo diante da projeção e da sombra que a China lança sobre o Japão com o seu crescimento, com a sua expansão, com as suas iniciativas tecnológicas, como homem no espaço, patentes. Eu leio esse editorial e digo: para o Japão, as Olimpíadas têm objetivos nobres e geopolíticos e para o Brasil elas são um problema, uma confusão que deveríamos descartar. Eis um debate que só a realidade concreta, a Copa e os Jogos Olímpicos, vai encerrar.
Não será uma discussão resolvida pela teoria morta do debate, mas pela teoria viva dos fatos.
* Alagoano, é ministro do esporte.
FONTE: JORNAL GAZETA DE ALAGOAS
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