quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Sobre a ilusão das estatísticas de intenções de voto: ou jornalismo elevador

Foto: ThinkStock
Qui numerare incipit, errare incipit: não se pode contar sem se enganar, reza o ditado latino.
A moda de que as estatísticas dão conta de tudo não é nova –nem novo é o código de comportamento a dizer que as estatísticas são tudo, menos potáveis. Roberto Campos, ele mesmo um dos pais da estatatística, referia que pesquisa eleitoral é como biquini: revela tudo, menos o essencial. Nelson Rodrigues, o baba na gravata, estabelecia que ele, o Roberto Campos que criticava a pesquisas com números, era o pai dos idiotas da objetividade.

No primeiro turno das eleições municipais de 2012, em 21 das 26 capitais onde teve disputa para a prefeitura, houve erro nas pesquisas eleitorais divulgadas às vésperas da votação. Apenas em Campo Grande (MS), Fortaleza (CE), Goiânia (GO), Macapá (AP) e Palmas (TO) todos os resultados ficaram dentro do previsto pelas pesquisa.

Os críticos das pesquisas eleitorais costumam fazer uso de uma metáfora: pesquisa eleitoral é como botar sete cegos apalpando um elefante. Um deles (o que apalpa o rabo) dirá que um elefante é fino, comprido e corrugado. O que apalpa a tromba discorda disso.

O francês Jean-Louis Besson foi o organizador de um estudo chamado “La cite des chiffers ou L’illusion des statisques”. Num trecho de sua “Ilusão das Estatísticas” ele estabelece que marcianos resolveram pesquisar por amostragem o que eram os seres humanos.

 Estacionam as naves na exosfera, nossa última camada. Adotam portanto o critério da verticalidade para analisar os humanos. Estabelecem um padrão de medida, chamado Kromik. Passam a considerer que só seria catalogado como algo vivo aquilo que tivesse pelo menos meio Kromik, ou 1,20 metro. Numa primeira categoria, catalogaram os seres de 0,5 a 2,5 kromiks (humanos, arbustos, caminhões, postes de telephone, postes de energia elétrica e casas…bebês, por obviamente terem menos de meio metro, eram desconsiderados como formas vivas…) Resultados: a altura média dos seres da Terra seria de 31,1 kromiks, ou 74,6 metros, com margem de erro relativo a 2%.

A ideia de que os números dão conta de tudo há muito invadiu as ciências. Veja você que volta e meia algum jornal noticia que foi descoberto algum gene novo –como o do homicídio ou, apareceu outro dia, o gene do xixi na cama.

Os idiotas da objetividade desconsideram que seres humanos são sistemas abertos, como a meteorologia e a economia, de resto imprevisíveis em essência.

O eleitorado é um sistema aberto, como somos nós, os seres humanos, como é a meteorologia, como é a economia. Por isso as pesquisas eleitorais erram tanto.

O fenômeno se espalha para a imprensa também
Há 15 anos o jornalista americano Bob Garfield se meteu na análise do numerário sobre doenças graves publicadas no espaço de doze meses nos jornais Washington Post, New York Times e USA Today. Os números eram de causar não só medo. Mas, sobretudo, escárnio: 53 milhões de americanos com doenças cardíacas, 53 milhões com enxaqueca, 25 milhões com osteoporose, 16 milhões com obesidade, três milhões com câncer. Outros lotes de doentes compreendiam doenças não tão comuns, como 10 milhões sofredores de disfunção da articulação temporo-mandibular e dois milhões sofredores de distúrbios cerebrais.

Ao somar os números, Bob Garfield chegou à conclusão de que 543 milhões de americanos estão muitíssimo doentes –num ano em que a população dos EUA era de 266 milhões de almas. E o escárnio não parou por aí. Jim Windolf, um editor do New York Observer, notou que Garfield havia subestimado os pacientes noticiados com enfermidades mentais, 53 milhões. Nas contas de Windolf, havia, segundo a mídia dos EUA, mais 10 milhões sofredores de disfunção da personalidade limítrofe, mais 11 milhões acometidos de compulsão sexual, outros 12 milhões com aquilo que se chama de síndrome das pernas inquietas. Ou seja: onde Garfield viu 53 milhões, a partir da análise das publicações, Windolf encontrou um numerário de 152 milhões de doentes. O que elevavao número de doentes dos EUA para quase três vezes a população dos EUA.

"Dewey Derrota Truman" foi uma manchete famosa, e  incorreta, na primeira página do jornal Chicago Tribune em 3 de novembro de 1948. Um dia depois Harry S. Truman levou as eleições de vitória de virada.
As “pesquisas” do The Chicago Tribune conferiram um tal mau nome ao jornal que em 1980 a banda Rush quis usar a manchete mentirosa na capa de seu disco Permanent Waves. Tiveram de modificar, porque 32 anos depois o pessoal do The Chicago Tribune quis processar os roqueiros.

Baseado numa suposta pesquisa de opinião, a 3 de outubro de 1995, o portal de notícias Internet Pathfinder preparou duas versões de sua página no  julgamento do atleta OJ Simpson. Óbvio que botaram no ar a errada: “Culpado”.

Também com base em pesquisas entre magistrados, Fox News e CNN manchetaram, sob Obama, que a Suprema Corte dos EUA havia votado contra uma lei de proteção aos paciente, a Affordable Care Act. Obama tirou um sarro e passou a mostrar em seu I-Pad, por semanas a fio, as manchetes erradas.

Mas, é óbvio: ilusões calcadas em números sempre interessam a algum lado, não importa qual. E a noção de verdade científica desmorona, ao sabor do jornalismo elevador: em que fulano sobe, e sicrano cai, e beltrano se mantém nas intenções de voto…





FONTE: YAHOO BRASIL NOTÍCIAS

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