Odânia Batista segura foto do namoro e da união com funcionário de casa de recuperação (Foto: Isabella Calzolari/G1)
 A diarista Odânia Batista, de 38 anos, tem se esforçado nos últimos 
dois anos para recuperar tudo o que deixou de lado durante a quase uma 
década que passou viciada em drogas. Ex-usuária de merla (produto 
derivado da cocaína), maconha, cocaína e crack, ela chegou a perder a 
guarda dos três filhos e morou dentro de bueiros e debaixo de uma ponte 
no Distrito Federal para economizar dinheiro para comprar entorpecentes.
 A mudança só veio quando, depois de aceitar se internar em uma casa de 
recuperação, ela se apaixonou por um funcionário e quis se casar. A 
superação, segundo ela, não foi fácil. Foram nove anos usando drogas. O 
primeiro contato aconteceu aos 26 anos, quando se separou do pai da 
primeira filha e conheceu aquele que viria a ser o pai dos dois mais 
novos. De acordo com Odânia, ele era usuário e traficante e ofereceu a 
ela um cigarro de maconha misturado com outras drogas.
 "A gente namorava, e eu ficava muito na casa dele, dormia lá. Aí ele me
 ofereceu esse baseado que já vinha com tudo. Tinha cocaína, maconha, 
merla, coisas de cigarro. Tinha de tudo. Eu senti uma coisa diferente, 
parecia que eu estava voando. Eu queria mais e mais depois. Gostei de 
cara", conta.
 A partir daí, a então camareira de um hotel em Ceilândia
 quis experimentar todas as drogas que pudesse. Odânia afirma que tomava
 o cuidado de não usar na frente da primogênita, que tinha 9 anos, ou 
durante as duas vezes em que ficou grávida do namorado.
 "Usava em casa, dentro do quarto, sem as crianças verem", diz. "Mas, 
apesar de eu estar sempre com drogas, levava uma vida normal. Sempre 
tive emprego, sempre trabalhei. Se ficava sem, eu me virava, arrumava 
serviço, arrumava um bico. Mas nessa época ainda não tinha crack em 
Brasília. Essa foi a minha perdição."
 O encontro com a droga aconteceu quando ela trabalhava como cozinheira 
de um bar que também ficava em Ceilândia. Entrando às 18h e saindo às 
4h, Odânia enfrentava longos períodos de espera pelo ônibus. Em um 
destes dias acabou experimentando a droga, que era usada por uma pessoa 
na rua.
 "Deu vontade de usar mais. No início, eu ficava até dois dias sem, mas 
depois não deu mais. Eu caçava no chão para ver se tinha, comecei a 
gastar todo o meu dinheiro com isso. Ficou pior quando eu quis me 
separar do pai dos meninos e ele inventou de vender a casa. Eu fiquei 
com as crianças, mas em vez de guardar o dinheiro e gastar aos 
pouquinhos, eu comprei tudo em crack", conta.
 Vendo a situação, o ex-companheiro pegou os dois filhos, enquanto a 
mais velha ia morar com o pai. Com menos de um mês, ela afirma que já 
não conseguia nem trabalhar. A vida de esportista, os estudos e a 
convivência com a família deram lugar à angústia de uma mulher que saiu 
de 55 quilos para 38 quilos e que achava que não conseguiria ficar bem 
se não estivesse "em outra realidade".
 "Só sentia vontade de usar e de não fazer mais nada. Esqueci de todo 
mundo. Só sentia falta dos meus filhos quando estava sem, mas eu queria 
usar o tempo inteiro. Não posso dizer quanto eu fumava, porque eu fumava
 enquanto tivesse. Todo dinheiro que tinha na mão ia para isso. Se 
tivesse R$ 100, era R$ 100, se tivesse R$ 200, era R$ 200. Ou quando 
dessem. Depois comecei a pedir na rua. Chegou uma hora que achei que não
 valia gastar R$ 200 com aluguel e escolhi morar na rua para economizar e
 ter mais dinheiro para comprar, infelizmente", lembra.
Bueiro próximo à estação de Metrô de Ceilândia Norte, no Distrito Federal (Foto: Raquel Morais/G1)
 Primeiro, Odânia escolheu ficar debaixo de uma ponte entre Taguatinga e Samambaia.
 Um ano depois, ela pegou um colchão e se instalou em meio ao lixo de 
bueiros de Ceilândia. Entre eles, morou no que fica na linha da estação 
de Metrô que fica na parte norte da região.
 "Entrava nele para dormir, para fumar, para tudo. Os meus filhos eu via
 de vez em quando, quando estava com muita saudade eu ia lá. A do meio 
não queria nem olhar na minha cara, mas o mais novo tinha dó de mim", 
diz Odânia.
 A rotina, lembra, era de pedir comida, roupa e dinheiro nas ruas e 
tentar evitar brigas com outros mendigos. "Quase todos os moradores de 
rua têm faca, canivete, algo para se defender. Já tentaram me matar 
várias vezes sem eu fazer nada, imagina se eu fizesse. Na rua é assim, 
um tenta matar o outro direto. A pessoa fica alucinada. Quando ela está 
sem a droga, na abstinência, até mata outra. Quando está com a droga, 
está de boa, está tranquila."
 As coisas começaram a mudar quando um grupo apareceu oferecendo ajuda 
gratuita às pessoas que, como ela, usavam drogas e moravam na rua. 
Odânia diz que viu aí a oportunidade de se salvar e que não teve dúvidas
 em aceitar. A mulher trocou as ruas de Ceilândia por abrigo em uma casa
 de recuperação em Santo Antônio do Descoberto, no Entorno, onde passou 
um ano.
 Lá, ela recebia a visita da família uma vez por semana, participava de 
cultos, tinha horário para se alimentar, fazia atividades manuais e 
ajudava na manutenção e na limpeza. Além disso, sempre recebia conselho 
dos voluntários.
 Apesar da ajuda, Odânia afirma que não foi fácil e que teve crises de 
vontade de usar drogas. "A primeira vez que eu fiquei sem droga, passei 
21 dias sem dormir. Toda hora sonhava com isso, toda hora, 21 dias 
sonhando com isso. Mas eu consegui. Foi muito difícil, meu Deus. Eu 
lutei com todas as forças. Em vários momentos eu tive dúvidas se iria 
conseguir. Era difícil, porque eu estava em luta contra minha maior 
inimiga: eu mesma. Eu mesma era minha maior inimiga."
 A mulher afirma que aos poucos reeducou o organismo – inclusive a 
conseguir reconhecer dia e mês e horários de acordar e dormir – e 
recuperou o carinho dos filhos. Ela lamenta ter perdido momentos 
importantes, como a primeira menstruação da filha do meio ou o 
desenvolvimento dos três na escola. No mesmo período, se viu atraída por
 um funcionário da ala masculina da casa de recuperação.
 "Uma voz me falou que ele ia ser meu marido. Eu não tinha dúvidas. Aí, 
quando eu fiquei mais ajeitadinha, porque as drogas, principalmente o 
crack, detonam a gente, eu falei para ele que ele ia ser meu marido. Ele
 ficou com medo", conta. "Ele fazia cultos, dava conselhos. Nunca usou 
nada."
Ex-usuária
 de drogas que morou em bueiro no Distrito Federal, Odânia Batista 
Garcez segura fotos dos três filhos (Foto: Isabella Calzolari/G1)
 O casal passou então a se aproximar. Odânia começou a colaborar com as 
atividades de distribuição de sopas e cobertores a moradores de rua e a 
contar a própria história, como forma de estimulá-los. Ela conta que viu
 colegas de quarto voltando para o vício, mas que também conseguiu 
convencer outras pessoas a se superar. Entre as coisas que a 
surpreendiam estavam professores, promotores e advogados catando lixo, 
"comendo lixo" e morando na rua por causa de drogas.
 "Todo mundo que usa isso chora e chora para sair dessa vida. Todo mundo
 se desespera. É uma droga terrível, você fica que nem zumbi mesmo. Todo
 mundo quer sair dela, ninguém quer usar. Foi a pior época da minha 
vida. Quando penso que fui tão burra de experimentar isso aí, de não ter
 obedecido minha mãe, de ter deixado meus filhos [de lado], fico mal. 
Quando lembro disso, meu Deus, foi a pior coisa que eu fiz. Hoje, posso 
ver o negócio que não tenho vontade de usar", afirma.
 Depois de se casarem, ela e o marido se mudaram para uma casa no 
Recanto das Emas. Odânia trabalha atualmente como diarista em 
apartamentos de Águas Claras, Vicente Pires, Ceilândia e Plano Piloto. 
Os planos são entrar para a faculdade de assistência social e conseguir 
ter uma boa estrutura para pedir na Justiça a guarda dos filhos – a mais
 velha já tem 21 anos, mas os mais novos têm 16 e 12.
 "Hoje eu entendo a reação da minha filha do meio e não tenho mágoa 
nenhuma. Dou graças a Deus que ela me perdoou, porque fui supererrada. 
Aliás, agradeço muito que meus filhos tenham medo desse negócio, não se 
interessem. Não tenho saudade dessa época, sinto é angústia de pensar 
que fui assim. De pensar que vivi no lixo, na vida de miséria. O 
sentimento é horroroso, não tem nem como explicar o que se sente. Deus 
me livre, é horrível, mas graças a Deus isso é também passado. Quero 
agora é ajudar outras pessoas. Acho que consigo fazer isso. Eu me 
superei e hoje eu sou muito feliz. Muito feliz mesmo", afirma.
Ex-usuária
 de drogas que morou em bueiro no Distrito Federal, Odânia Batista 
Garcez segura bíblia no terreno da nova casa em que vive com o marido 
(Foto: Isabella Calzolari/G1)
FONTE: G1 - O PORTAL DE NOTÍCIAS DA GLOBO 
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