Após jogo ruim da Seleção e 120 minutos
sofridos, goleiro promete defesa a Thiago Silva e cumpre,
correspondendo a grito da torcida: "Eu acredito"
A CRÔNICA
por
Martín Fernandez
Quatro palavras, separadas em duas frases, resumem o que aconteceu
neste sábado à tarde no Mineirão. Primeiro, o que Julio César disse a
Thiago Silva, instantes antes de o Brasil eliminar o Chile nas cobranças
de pênalti, por 3 a 2, após empate por 1 a 1 até o fim da prorrogação, e
avançar para as quartas de final da Copa do Mundo. Disse o camisa 12 ao
capitão:
- Vou pegar.
E pegou. Julio César defendeu a cobrança de Pinilla, que chutou forte,
mas no meio do gol. E em seguida espalmou o chute de Alexis Sánchez. Não
precisou pegar o chute de Jara, que explodiu na trave e fez explodir o
Mineirão. David Luiz, Marcelo e Neymar marcaram, Willian e Hulk
perderam.
Julio César defende a cobrança de Alexis Sánchez: goleiro conduz a Seleção às quartas de final (Foto: AP)
A segunda frase que explica o jogo nasceu no meio da prorrogação, no
auge da agonia, no ápice do sofrimento, quando quase não se respirava
nas arquibancadas e mal se pensava em campo. O Brasil sofria e fazia
sofrer.
- Eu acredito!
Foi tamanho o nervosismo, o sofrimento, que o Mineirão tratou de apelar
para um grito jamais ouvido em partidas do Brasil. E a Seleção lá é
time no qual é preciso declarar fé?
Neste sábado, foi preciso. Não poderia estar mais certo Luiz Felipe
Scolari, quando previu que o Chile seria o adversário mais difícil
possível para o Brasil nas oitavas.
Julio César pula e recebe o abraço dos jogadores após a última cobrança: herói no final (Foto: AP)
O Chile de 2014 nada tem a ver com o de 1962, 1998 ou 2010 - aqueles a
quem o Brasil destroçou quando cruzou nas Copas do Mundo. A equipe
treinada pelo argentino Jorge Sampaoli joga, pensa, cria problemas,
enquadra Neymar, faz sofrer.
O retrospecto não entra em campo, como insistiram Felipão e seus
jogadores desde que ficou definido que o confronto das oitavas de final
da Copa do Mundo seria contra os fregueses. Brasil e Chile fizeram um
jogo de nervos - com algum futebol no meio. O "Mineirazo" esteve sempre à
espreita. mas Julio Cesar avisou:
- Vou pegar.
O Mineirão devolveu:
- O campeão voltou.
Na próxima sexta-feira, na Arena Castelão, o Brasil enfrenta nas
quartas de final o vencedor de Uruguai e Colômbia, adversários no fim da
tarde deste sábado, no Maracanã. Joga sem Luiz Gustavo, suspenso pelo
segundo cartão amarelo, e com Neymar, Daniel Alves, Thiago Silva, Hulk e
os reservas Jô e Ramires pendurados.
Felipão vibra, Neymar e Thiago Silva choram: alegria sofrida (Foto: Marcos Ribolli / Globoesporte.com)
Desequilíbrio na sombra
A sombra numa faixa de gramado do Mineirão no primeiro tempo era só uma
coincidência, mas o fato é que só se jogava por ali. Marcelo era o
jogador mais acionado quando o Brasil tinha a bola - e o mais incomodado
quando o Chile tomava as ações.
Daniel Alves colaborou para esse desequilíbrio. O lateral direito
perdeu uma bola ao sair jogando, nos lances iniciais da partida, e
ofereceu um contra-ataque perigoso ao Chile. Desde então, o campo se
inclinou para o outro lado. O camisa 2 só voltou a aparecer a três
minutos do fim do primeiro tempo, ao arriscar um chute de fora da área
que obrigou Bravo fazer linda defesa.
Jara desvia de chilena, bola raspa na barriga de David Luiz e vai para o gol (Foto: Agência AP)
Foi de um ataque pela esquerda que surgiu o escanteio que Neymar cobrou
na cabeça de Thiago Silva. O capitão desviou no meio da área, e David
Luiz entrou com Jara na segunda trave. A bola foi para a rede, desviada
de chilena por Jara, mas o gol foi dado para o camisa 4, em quem a bola
raspou por último, de leve, na barriga. Primeiro gol dele com a camisa
amarela, o único titular que ainda não tinha marcado pela Seleção. E
como gritou David Luiz, e como gritou o Mineirão.
David Luiz agradece ao céu pelo primeiro gol pela seleção brasileira (Foto: Getty Images)
O gol deixou o Brasil à vontade para jogar no contra-ataque. O time de
Felipão desistiu de marcar por pressão, recuou suas linhas, esperou o
Chile e sempre esteve mais perto de marcar o segundo do que sofrer o
empate. Fred tentou, Neymar tentou, Hulk tentou - do setor ofensivo, só
Oscar não arriscou contra o gol chileno.
O adversário tinha mais posse de bola - 57% a 43% de posse no primeiro
tempo - mas a marcação brasileira funcionava. Vidal, que ameaçara uma
atuação brilhante nos minutos iniciais, caiu num buraco negro em algum
lugar entre David Luiz e Marcelo e dali não saiu. Alexis tinha que ir
até a defesa para tentar alguma coisa diferente, Vargas mal via a bola.
Tanto conforto em campo se transformou em desatenção. Hulk devolveu mal
um lateral cobrado por Marcelo, a bola sobrou limpa para Alexis, que
venceu Julio Cesar com um chute cruzado, preciso, rasteiro: 1 a 1. O
Mineirão calou - com exceção das pequenas manchas vermelhas nas
arquibancadas.
Alexis Sánchez salta para comemorar o gol diante da massa amarela e um chileno (Foto: Agência Reuters)
Jogo bruto
O Brasil voltou a tomar a iniciativa no segundo tempo. O Mineirão
cantava o hino, os de pé cobravam os sentados: "Levanta!". E o time de
Scolari lutava. Como na maior parte do primeiro tempo, era um jogo sujo,
bruto, com mais divididas do que troca de passes, com mais faltas do
que finalizações.
Hulk chegou a desempatar, mas foi flagrado por Webb dominando no braço o lançamento de Marcelo.
Gol bem anulado. O Chile devolveu com uma linda tabela pela direita.
Aranguiz acertou disparo de dentro da área, Julio César fez uma defesa
espetacular, no contrapé. E deu pistas de que estava ali para salvar
mesmo.
Felipão mexeu: trocou Fernandinho por Ramires e Fred por Jô. O Brasil
agora tinha mais a bola, mas não ideias. Hulk obrigou Bravo a trabalhar,
Jô furou diante do goleiro batido em cruzamento rasteiro. Quando
conseguia sair das cordas, o Chile incomodava - mas finalizava mal.
Depois de 16 anos, o Brasil voltou a uma prorrogação na Copa, sua sexta
na história do torneio.
Cansaço psicológico
Acabou o segundo tempo, com toda uma prorrogação a disputar, dois
tempos de 15 minutos que decidiriam o futuro do Brasil na Copa do Mundo.
Um a um, os brasileiros caíram. Fred, substituído por Jô, entrou em
campo com garrafas d'água. Enquanto isso, os chilenos se abraçaram,
todos de pé. Fizeram uma rodinha, como se houvesse todo um jogo pela
frente. Neymar se ajoelhou, escondeu a cabeça entre os braços, Thiago
Silva parecia exausto.
Felipão conversa com os jogadores do Brasil antes da prorrogação (Foto: Marcos Ribolli / Globoesporte.com)
Hulk foi a exceção. O camisa 7 atravessou o campo com a bola dominada,
cavou falta. Parecia querer se redimir da bobeada no gol chileno. Em
seguida, cortou o campo em diagonal outra vez e chutou de longe, com
força, para outra boa defesa de Bravo. Foi o mais lúcido do ataque
brasileiro, que, no mais, não criou. O Chile fez pouco, pareciam eles os
exaustos na prorrogação. Felipão trocou Oscar por Willian, na última
substituição.
Com a respiração presa, o Mineirão assistiu a um festival de
cruzamentos sem perigo, passes errados, faltas e jogadores chilenos
caídos no segundo tempo. Num contra-ataque, quando os relógios do
estádio mostravam 119 minutos e 40 segundos jogados, Pinilla acertou uma
bomba no travessão de Julio César.
Último susto antes do capítulo final
nos pênaltis.
Com câimbras desde antes do apito final, Neymar desabou. Na preparação
para as cobranças, o veterano Julio César expôs a tensão brasileira e
chegou a derramar lágrimas. Prenúncio da emoção que ainda teria que
vivenciar na partida.
David Luiz iniciou a série acertando com força no canto. A mesma
firmeza com que Julio César defendeu a cobrança de Pinilla. Em seguida,
Willian chutou para fora, apesar de deslocar o goleiro. Mas o camisa 12
brasileiro salvou outra, parando Alexis Sánchez. Marcelo converteu, com
leve desvio de Bravo. Aranguíz encheu o pé e balançou a rede no ângulo.
Hulk também bateu forte, mas o 1 chileno tirou com o pé. Díaz igualou
para 2 a 2 em seguida.
Julio César pula no canto certo, e a bola bate na trave: sorte ajuda ao competente (Foto: Reuters)
Depois de dois erros e dois acertos para cada lado, chegou a hora
decisiva. Neymar fez o dele. E ficou para Julio César a decisão. Diante
do autor do gol contra marcado oficialmente para David Luiz, o goleiro
não acertou o canto, mas a trave parou Jara. Além de saber sofrer, é
preciso ter sorte.
Thiago Silva é consolado por Murtosa, e Felipão vibra diante de Fernandinho e Neymar (Foto: Marcos Ribolli)
FONTE: G1 - O PORTAL DE NOTÍCIAS DA GLOBO
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