Como se estivesse em casa, Roja sul-americana faz 2 a 0 na melhor seleção dos últimos anos e garante classificação junto com a Holanda
Tivesse o Maracanã nascido para silêncios, seria possível escutar,
depois de Vargas fazer o primeiro gol do Chile, aos 19 minutos do
primeiro tempo, o barulhinho de uma bomba-relógio fazendo a contagem
regressiva para a implosão da grande campeã do mundo: tic-tac, tic-tac,
tic-tac; ou melhor: tik-taka, tik-taka, tik-taka. Com vitória de 2 a 0
na tarde desta quarta-feira, no Rio de Janeiro, o Chile se garantiu
junto com a Holanda nas oitavas de final da Copa do Mundo, dinamitou a
Espanha e tremeu as bases de uma filosofia de futebol. Mandou o melhor
time do planeta dos últimos anos de volta para casa e deu ares de
capítulo final ao estilo (encantador para tantos, chato para outros) da
Fúria - o chamado tik-taka, alicerçado em muita posse de bola, em
toques curtos e rápidos, em movimentação constante, em trocas de
posições.
Vargas comemora, espanhóis lamentam: Chile classificado no Maracanã (Foto: Reuters)
Com os gols de Vargas e Aránguiz, ainda na etapa inicial, ruiu o
tik-taka, ruiu a Espanha, ruíram heróis históricos, como Casillas e Xavi
(que nem titular foi). Ruiu Diego Costa, o brasileiro que escolheu
defender outra pátria e tentou, em vão, deixar a equipe mais goleadora. É
prematuro (até injusto) dizer que a Espanha acabou, que agora ela
retoma sua rotina de coadjuvante. Ela deixou um legado e segue com
jogadores muito bons. Mas entre a goleada de 5 a 1 para a Holanda na
Fonte Nova e a derrota de 2 a 0 para o Chile no Maracanã, algo parece
mudar na ordem mundial da bola.
O Chile, heroico, histórico, ganhou no campo e nas arquibancadas. Teve o
Maracanã todo para si – como se estivesse em Santiago. Milhares de
chilenos emocionaram-se ao repetir o gesto dos brasileiros e cantar a
segunda parte do hino nacional à capela. Gritaram o tempo todo. Apoiaram
sem parar. Agora, buscam um sonho maior, um inédito título mundial.
Para isso, tentam passar em primeiro na chave. Decidirão a ponta
segunda-feira, contra a Holanda, em São Paulo - um deles, caso o Brasil
avance, será o adversário do time verde-amarelo nas oitavas. No mesmo
dia, a Espanha, mergulhada em melancolia, enfrentará a Austrália em
Curitiba.
O começo do fim
Aránguiz comemora segundo gol do Chile (Foto: André Durão / Globoesporte.com)
Em idos dos 46 minutos do primeiro tempo, quando das cadeiras do
Maracanã começaram a reverberar gritos de “eliminado”, já era possível
tirar do campo alguns simbolismos de tamanho fiasco: Iniesta, que
magnetiza a bola com os pés, errando domínios; Diego Costa, que tantos
gols faz, desperdiçando um chute depois do outro; Pedro, tão frio em
decisões, provocando a torcida adversária; Casillas, fortaleza da maior
Espanha de todos os tempos, falhando novamente; Xabi Alonso, serenidade
em pessoa, dando entradas violentas. É que a Fúria desabou. Ela
desmoronou, foi implodida como conjunto, como ideia de futebol, como
filosofia. Fracassou o time que tanto encantou; apequenou-se o maior
gigante dos últimos anos.
E toda essa percepção coube em tão pouco tempo, na brevidade de 45
minutos iniciais. Avisos não faltaram. Com menos de um minuto, Vargas
quase colocou o Chile na frente – e Jara também, em cabeceio assustador
logo depois. Mas em seguida a Espanha começou a controlar o jogo, como
faz desde 2008, quando ganhou a Eurocopa e pegou gosto pelos títulos.
Deu a impressão de que poderia vencer. Só que talvez aí esteja a
explicação central dessa passagem de ciclo da Espanha: de time que
dominava por vontade própria a time que passou a dominar por vontade do
adversário. Porque o Chile fez o mesmo que a Holanda: combateu o volume
com agressividade; enfrentou com ação aquilo que se tornou mera retórica
futebolística – correr o tempo todo para lugar nenhum.
O primeiro gol saiu aos 19 minutos, em rápida construção de Sánchez. A
bola chegou a Aránguiz, que logo acionou Vargas. Caindo, o atacante
desviou de Casillas e fez 1 a 0.
A Espanha pareceu não se abalar. Seguiu jogando em seu estilo: Diego
Costa mais fixo na frente, sustentado por três figuras em uma linha
pouco atrás: Pedro, a melhor delas, David Silva e Iniesta. Surgiram
chances, mas nenhuma delas límpida, e especialmente o atacante
brasileiro não soube aproveitá-las.
E aí ruiu de vez o mundo espanhol. Aos 43 minutos, Sánchez bateu falta.
Casillas voou na bola e espalmou.
Mas para dentro da própria área.
Aránguiz, no rebote, de bico, fez 2 a 0. O Maracanã viveu momentos de
surto – de puro êxtase para os dezenas de milhares de apoiadores do
Chile: os próprios chilenos e os brasileiros, dispostos desde o início a
infernizar os (atuais até 13 de julho) campeões mundiais.
Nem em seu pior pesadelo a Espanha poderia imaginar que seria tão visitante no Brasil...
Adeus à campeã
Adeus à campeã
O segundo tempo serviu apenas para confirmar a despedida da campeã. A
Espanha tentou reagir. Não é um time acostumado a perder, afinal. Mas em
vão. As entradas de Koke no lugar de Xabi Alonso e depois de Fernando
Torres na vaga de Diego Costa foram apenas acessórios em uma tarde toda
voltada para a glória chilena. A vaia que o brasileiro levou ao ser
substituído foi uma agulhada no tímpano – de tão forte. Que péssima Copa
ele fez...
O Chile poderia ter ampliado. Encaixou contra-ataques perigosíssimos,
como a Holanda fizera na goleada de 5 a 1, mas foi menos hábil na
conclusão. A Espanha também teve chances, em especial uma com Busquets,
que, vá saber, poderia ter mudado o destino do jogo. Quase dentro do
gol, ele chutou para fora.
O resto foi espera: cantorias, gritos de olé, humilhação para uma
Espanha tão habituada a ser melhor que todos. E o barulhinho do relógio
sempre presente, tic-tac, tik-taka, tic-tac, tik-taka, anunciando o
adeus a uma equipe que entrou para a eternidade espanhola, que foi
lendária, mas que uma hora teria que se reinventar.
Pois a hora chegou.
FONTE: G1 - O PORTAL DE NOTÍCIAS DA GLOBO
Nenhum comentário:
Postar um comentário