Matheus Pichonelli
Foto: Agência Brasil*
De
antemão: ninguém, em sã consciência, acha poética ou libertadora a
interrupção de uma gravidez. Trata-se de uma decisão dolorosa em
qualquer das circunstâncias e não envolve apenas uma questão moral.
Dito isto, ser ou não a favor da descriminalização da prática não
impede ninguém de fazer aborto. Em períodos eleitorais, no entanto, o
que é tratado como uma questão de opinião, nas clínicas clandestinas é
risco de vida.
A morte, no Rio de Janeiro, da auxiliar
administrativa Jandira dos Santos Cruz, que desapareceu após abortar em
um lugar não só ilegal como impróprio é sintomática: ao entrar num caldo
de clandestinidade, ficou impossibilitada de denunciar um crime até
agora não esclarecido. Seu corpo foi encontrado carbonizado, dias
depois, em um automóvel na zona norte da capital fluminense.
A
polícia ainda investiga as causas da sua morte, a segunda em um mês na
região metropolitana do Rio causada após abortos em clínicas
clandestinas. A primeira aconteceu em Niterói, onde Elizângela Barbosa
morreu após complicações na operação. A necropsia encontrou um tubo de
plástico dentro do seu útero.
Para quem acredita que a possível
descriminalização do aborto causaria um “boom” dos procedimentos pelo
país, vale lembrar: este “boom” já acontece, com ou sem a anuência da
opinião pública. Levantamento do jornal O Globo publicado
recentemente mostrou que, somente no ano passado, 205.855 internações
decorrentes de abortos aconteceram no País – mais da metade por
interrupção induzida.
O aborto é a quinta maior causa de mortes
maternas no Brasil. Ainda assim, o tema é considerado tabu na campanha
porque desagrada parte da população. De duas uma: ou o drama de tantas
mulheres não sensibiliza a opinião pública ou a opinião pública não tem a
menor ideia dos riscos de seu próprio tabu. Essa informação é bloqueada
por setores organizados da sociedade que ignoram estatísticas e dramas
pessoais em nome de uma posição inegociável. Entre um ponto e outro
existe apenas a escuridão.
Que uma parcela da população, ainda
fortemente influenciada por esses grupos, tenha aversão ao tema é
compreensível: ela muitas vezes não tem repertório para analisar o
tamanho do problema para além de um simples “sou a favor” ou “sou
contra”. Que candidatos se escondam por detrás dessa aversão, não.
Quando
crianças, aprendemos desde cedo que tanto faz a profissão que
escolheremos no futuro. O que importa é a missão: ajudar a transformar o
mundo. E entrega-lo às futuras gerações em condições melhores do que as
que recebemos. Essa é a missão da liderança política: ser a ponta de
lança, nos debates e nas instâncias decisórias, das mudanças que nos
permitam evoluir, com base no conhecimento e na sensibilidade, em
relação ao mundo herdado. Por isso nem sempre a maioria tem razão:
muitas vezes ela está ancorada em velhas convicções que já não levam a
lugar algum.
Nenhum dos principais candidatos à Presidência, no
entanto, parece disposto a destravar este debate e propor mudanças para
além do lugar-comum em um tema tão sensível. É o que deveria guiar o
espírito das lideranças, inclusive os candidatos ao Legislativo, mas
elas estão ocupadas demais em agradar a maioria. É o que garante votos. E
não há forma mais segura de agradar essa maioria do que deixar as
coisas exatamente como estão. Ainda que custem a vida de centenas de
pessoas todos os anos. É mais fácil fazer a vítima acreditar que, se
matou ou se morreu, a culpa será sempre delas.
*Manifestação realizada em 2012 em frente ao Supremo Tribunal Federal contra a legalização do aborto de fetos anencéfalos
FONTE: G1 - O PORTAL DE NOTÍCIAS DA GLOBO
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