Nova lei
seca põe fim à brecha do bafômetro, mas depende de tribunais
Rosanne
D'Agostino Do G1,
em São Paulo
As novas regras que endurecem a lei seca e começam
a vigorar nesta sexta-feira (21) devem acabar com a brecha usada por muitos
motoristas para fugir de punição. Segundo especialistas ouvidos pelo G1,
recusar o bafômetro não vai mais impedir o processo criminal, mas há
críticas à "subjetividade" do texto. O projeto de lei, publicado
nesta sexta-feira no "Diário Oficial da União", foi sancionado
sem vetos pela presidente Dilma Rousseff nesta quinta (20).
Para advogados, a lei aumenta o poder da autoridade
policial de dizer quem está embriagado e, para defensores da tolerência zero ao
volante, a norma transfere aos tribunais a tarefa de interpretar cada caso,
dando margem para que motoristas alcoolizados escapem da Justiça.
O que muda
A mudança no Código Brasileiro de Trânsito sancionada sem vetos nesta quinta-feira (20) pela presidente Dilma Rousseff possibilita que vídeos, relatos, testemunhas e outras provas sejam considerados válidos contra os motoristas embriagados. Além disso, aumenta a punição administrativa, de R$ 957,70 para R$ 1.915,40. Esse valor é dobrado caso o motorista seja reincidente em um ano.
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Críticas
Para o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), autor de
um projeto que previa tolerância zero aos motoristas, as mudanças são como
"enxugar gelo". "A lei poderia ter sido mais ousada, porque nós
estamos diante de uma epidemia. São mais de 40 mil mortes por ano."
O maior problema, no entanto, segundo o senador,
está na subjetividade da nova lei. “Eu acho que ficou muito subjetivo. Os
agentes vão fotografar, vão filmar. Mas como o juiz vai interpretar essa prova?
O bafômetro é a única ferramenta eficaz de comprovar”, defende. "Nós
teremos problemas na interpretação disso [pelos tribunais]."
“Eu acho que a lei traz inovações e mudanças que
faziam parte da proposta de nossa autoria aprovada no Senado. O vídeo, imagem,
testemunho para inibir esse consórcio perverso que é a embriaguez e a direção
no trânsito”, afirma Ferraço. “Mas estou aguardando para ver na prática esta
forma tão subjetiva que a lei incorporou de comprovar a embriaguez”, afirma.
O advogado constitucionalista Pedro Serrano também
avalia que as novas regras possuem conceitos subjetivos que podem abrir espaço
para contestações no Supremo Tribunal Federal (STF).
“No direito penal, o crime tem que ser previsto
usando palavras precisas, e não palavras abertas. É muito vago falar em 'afetar
a capacidade psicomotora'. Isso acaba jogando na autoridade policial o poder de
definir, e não na lei. Cabe à lei definir qual é a conduta proibida, e não à
autoridade policial”, afirma. “Do contrário, fere o Estado de Direito.”
"Qualquer pessoa que sofrer esse tipo de
constrangimento pode levantar essa questão. É um princípio
constitucional", completa.
Elogios
Já para o juiz criminal de São Paulo Fábio Munhoz Soares, um dos que devem julgar casos envolvendo pessoas embriagadas ao volante, a mudança "é um avanço”.
“Agora basta qualquer tipo de prova que demonstre
que você está embriagado. Não adianta recusar o bafômetro. A lei acabou com
aquela situação do sujeito que sai cambaleando e não tem como comprovar que
estava bêbado. Ele é encaminhado para a delegacia para o perito para fazer o
exame clínico”, diz.
Para o magistrado, o policial tem papel relevante.
"Sempre foi desse jeito. O policial sempre foi ouvido, ele é uma
testemunha muito importante", afirma.
O promotor Marcelo Barone também elogia a
alteração. Segundo o integrante do Ministério Público, a forma anterior da lei
impedia que os motoristas alcoolizados fossem denunciados. “Digamos que não era
uma brecha, era uma avenida inteira. Eu mesmo cheguei a deixar de oferecer
denúncia. Agora vão aumentar os flagrantes, prisões, denúncias. A pessoa vai
sentir alguma consequência no ato”, avalia.
Mas o juiz ressalva que, "para que seja
processado criminalmente e condenado, é necessário que fique demonstrado que o
indivíduo teve a capacidade alterada". "Do contrário, não há como ser
condenada", afirma.
Penas
O aumento da multa aos motoristas não é consenso entre os especialistas, mas,
sobre a punição na esfera penal, ele avaliam que o Congresso perdeu a
oportunidade de aumentar as penas em caso de condenação.
“Essas multas muito pesadas são só para dizer que é
mais severo, mas tem muito pouca eficácia”, avalia o juiz Munhoz Soares.
"Mas matar bêbado no trânsito devia ser uma causa de aumento de pena. É
esse o tipo de crime que nos deixa mais perplexos. Se quer realmente prender,
tem que colocar uma pena alta, mais de quatro anos."
Para o promotor, a pena deveria ter sido aumentada,
porque hoje geralmente é convertida em serviços à comunidade. “Por que nos
Estados Unidos funciona? Porque lá é preso, aqui não. Mas isso implica em
aumentar o número de pessoas presas. Tem que construir presídios, não interessa
para o governo”, diz.
Já Dirceu Rodrigues Alves Jr, da Associação
Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet), acredita que a única solução é a
tolerância zero de álcool no trânsito. “Essa legislação realmente facilita o
diagnóstico. O bafômetro passa a ser usado como fator de negativa do álcool, ou
seja, o motorista vai soprar para provar que não ingeriu álcool. Mas tudo fica
alterado com a bebida, atenção, concentração, raciocínio, respostas, reflexos,
visão, audição. Teria que proibir totalmente”, afirma.
FONTE: G1 - O PORTAL DE NOTÍCIAS DA GLOBO
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